última atualização 09-01-2023

Produção Audiovisual

 

Como produzir um vídeo em um contexto escolar? O importante é o processo ou o produto? O que pode ser utilizado e trabalhado nessa produção para além do conteúdo e colocando a linguagem cinematográfica também como produtora de conhecimento? Produzir um vídeo no ambiente escolar é um ato político pois permite da voz para os alunos e os colocam em um lugar de protagonista da sua atividade educacional. A produção audiovisual na educação precisa ser refletida para além somente do produto. É preciso pensar o seu fazer a partir de diversos conteúdos e não somente de conteúdos técnicos.


 Equipe de Produção



Elementos significadores (1ª Fase)

 

Antes da execução do processo de criação de um vídeo, é necessário verificar a apropriação dos elementos do cotidiano de quem participará do processo, de maneira que dê sentido próprio a imagem pela imagem, ultrapassando o limite da fala.

“-Amiga estou triste”. Esse exemplo de dialogo impõe o uso um ambiente com pouca iluminação, um som mais triste, dando sentido para aquela imagem a partir da própria linguagem, criando um mise-en-scène concretizado pela emoção sem necessidade de fala.

A maioria dos materiais audiovisuais consumidos no dia-a-dia pelos alunos, não apresentam esses elementos próprios explicitamente ou utilizam de elementos padronizados. Com isso, os alunos acabam reproduzindo o formato do que consomem, por exemplo, o uso da novela para ficção e de repórter para documentário. É necessário pensar o contexto de consumo dessas produções, que são feitas para as pessoas não pararem o que estão fazendo e, na impossibilidade de estar na frente da TV, garantir o enredo através da audição, escutando as cenas como na época do rádio.

            Segundo Tuner (1997, p.57), não são necessariamente as etapas de produção, mas os elementos cinematográficos que dão significado e sentido a imagem do vídeo. “O cinema não é um sistema discreto de significação, assim como a escrita. O cinema incorpora as tecnologias e os discursos distintos da câmera, iluminação edição, montagem do cenário e som – tudo contribuindo para o significado” 

Nenhum sistema que produz significados opera sozinho no cinema. As linguagens escrita e falada têm uma gramática, sistemas formalmente ensinados e reconhecidos que determinam a escolha e a combinação de palavras em expressões, regulando assim a geração de significados. No cinema não há tal sistema. O cinema não tem um equivalente à sintaxe- não há nenhum sistema ordenador que determinaria como as tomadas deveriam ser combinadas em sequência. Muito depende não só da “competência” do público (sua experiência, ou habilidade, em ler um filme), mas também da capacidade do cineasta de construir relações que não sejam governadas pela convenção. (TUNER, 1997, p.56)

O autor apresenta o roteiro, câmera, a iluminação, o som, a mise-en-scène e a edição como sistemas significadores.

A câmera é o elemento que reflete o olhar ao mesmo tempo que utiliza da tecnologia para capturar o momento. O movimento, profundidade e enquadramento fornecem significados diferente para o filme. Na história do cinema, o filme Cidadão Kane foi o precursor na aplicação de métodos diferentes e revolucionários para época, utilizando panning, tilting e a posição da câmera com foco de baixo para cima[1], dando o sentido de poder para o personagem enquadrado. 

O célebre Cidadão Kane obteve clareza e profundidade de campo revolucionárias (a imagem toda, do primeiro plano ao plano de fundo mais afastado, tinha um foco nítido), atingindo o máximo de qualidade da película e experimentando com métodos de iluminação. A câmera pode ser dirigida ao seu objeto de um modo direto ou oblíquo, sendo possível sua rotação ao longo do eixo vertical (panning), do eixo horizontal (tilting) ou do eixo transversal (rolling). Se a câmera está, por assim dizer, olhando para o seu objeto de cima para baixo, sua posição é de poder. (TUNNER, 1997, p.58)

Os ângulos criam o sentido e, a altura da câmera com a distância do objeto criam uma correspondência ao ponto de vista. Segundo o autor, “essa técnica pode aumentar a ambiguidade da resposta emocional, ou convidar o espectador a projetar suas próprias emoções na narrativa”.

Os ângulos da câmera podem identificar uma tomada com o ponto de vista de uma personagem, assumindo a posição que corresponde àquela que imaginamos que determinada personagem estaria ocupando. A altura da câmera e a distância do objeto também podem ter um efeito sobre o significado de uma tomada. Essa técnica pode aumentar a ambiguidade da resposta emocional, ou convidar o espectador a projetar suas próprias emoções na narrativa.

O elemento iluminação, nesse caso chamado de “luz”, agrega ao vídeo a “aparência” que segundo Tunner (1997, p. 60), é utilizado para “estabelecer um estado emocional, dar ao filme uma “aparência” [...], ou contribuindo para detalhes da narrativa, como caráter e motivação.

“A luz é a matéria do filme, talvez no cinema a luz seja a ideologia, sentimento, cor, tom, profundidade, atmosfera, narrativa. A luz é aquilo que reúne, que apaga, que reduz, que arrisca, esfuma, sublinha, derruba, que faz tornar crível ou aceitável o fantástico, o sonho, ou ao contrário, torna fantástico o real, dá tom de miragem ao cotidiano mais simples, reúne transparências, sugere tensões, vibrações. A luz preenche um vazio, cria expressão onde ela não existe, doa inteligência ao que é opaco, dá sedução à ignorância. ”  Federico Fellini (apud BETTI, 1986[2])

O segundo objetivo da luz é fornecer uma aproximação com a realidade ao espectador, através de uma ambientação emocional de acordo com a cena. Por exemplo, a utilização da variação da luz vermelha para cenas de amor. O uso da cor verde dentro e azul para as cenas fora da Matrix. 


Já no filme Harry Potter, o início da saga possuía uma luz mais amarela[4], parecida com o real, mostrando um certo não reconhecimento do próprio herói da sua saga (“A saga do Herói” - Roteiro). Quando ele aceita seu destino, a cor passa a ser azul indo até o final da saga. “A luz serve “para estabelecer um estado emocional, dar ao filme uma “aparência” ou contribuir para detalhes da narrativa, como caráter e motivação. ”


O realismo é o segundo objetivo da iluminação. Esta é de longe a meta mais comum e evidente da iluminação cinematográfica. Se for bem-sucedida, os atores estarão tão natural e discretamente iluminados que o espectador não perceberá a iluminação como uma tecnologia à parte. (TUNNER, 1997, p. 60)

O som é um elemento que pode ser diegético (quando o espectador e o personagem estão escutando o som), não diegético (quando somente o espectador está escutando) e meta diegético (abrangendo uma função ligada aos pensamentos e emoções dos personagens e não somente ao ambiente em que este se encontra, e.g. o pensamento de alguém.

Segundo Simon Frith (1986,p.65), a realidade que a música “descreve/identifica é um tipo de realidade diferente daquela descrita/identificada pelas imagens visuais”. Ele afirma que a música amplifica o estado emocional ou a atmosfera, e também tenta transmitir a “importância emocional” de uma cena: os “verdadeiros sentimentos “ reais das personagens envolvidas”. (apud TUNNER, 1997, p.64)  

             A sonoplastia são sons naturais da própria cena e a trilha sonora é a música de fundo da cena e reforça ainda mais o sentido da imagem. Por exemplo um filme de terror com uma trilha sonora macabra, e barulhos, como porta rangendo e barulho de passos.

A mise-en-scène proporciona, em parte, a sonoplastia. É composta pelo cenário em uma livre adaptação de elementos como montagem do cenário, figurino e o movimento dos personagens, colocando em evidência ou não, dentro da narrativa. 

Quando reconhecemos o interior de uma residência como sendo de classe média, cheia de livros e ligeiramente antiquada, estamos lendo os signos da decoração para lhes dar um conjunto de significados sociais. No cinema, a construção de um universo social é autenticado pelos detalhes da mise-em-scène.(TUNER, 1997, p.66).

O último elemento é a edição, a junção invisível[5] que propicia a construção de um universo realizado por outros elementos, legitimado pela montagem através da junção dos planos. A edição considera alterações, correções e modificações nessa junção e nos planos gravados[6].

Como o realismo tornou-se o modo dominante do longa-metragem, a edição era necessária para contribuir para a ilusão de que o filme se desdobrava naturalmente, sem a intervenção do cineasta. Agora a edição é mais ou menos invisível, conectando as tomadas sem emendas de modo a dar a ilusão de continuidade de tempo e espaço

Um filme é então composto por um complexo sistema de significações que contribuem para a narrativa e para o produto final. Formas de representar o real e fazer o espectador acreditar que é real. 

O cinema é um complexo de sistemas de significação e seus significados são o produto da combinação daqueles. A combinação pode ser realizada com sistemas complementares ou conflitantes entre si mas nenhum por si só pé responsável pelo efeito total de um filme, e todos aqueles que examinamos possuem, como vimos, seu próprio conjunto distinto de convenções, seus próprios modos de representar as coisas. (TUNER, 1997, p.69)

Esses elementos vão estar condicionados ao elemento do roteiro

O roteiro é posição chave na fabricação de um filme, pois é a partir dele que se decide o filme. Um bom roteirista é aquele que conhece a fundo a técnica cinematográfica, pois é preciso escrever coisas filmáveis, do contrário o roteiro não passa do sonho impossível de um filme Jen-Claude Carrière, apud RODRIGUES, 2002, p.49)

Apreender e decifrar esses significados permite ao aluno visualizar a produção audiovisual de uma outra forma que vai além de uma reprodução de formatos. O aluno posteriormente a apropriação dos elementos de significação, em uma livre adaptação e se aproximando mais com a realidade de produção em sala de aula, será mostrado o percurso da produção audiovisual, juntando as possibilidades de cada ambiente escolar com a criação de significados de uma forma que permita o aluno ao mesmo tempo que produza, reflita sobre seu lugar de consumidor e produtor e seus significados.

 

Produção audiovisual (2º Fase)

 


Depois de se apropriar dos elementos de significação, de uma forma mais filosófica e teórica, essa próxima etapa consiste na prática de como produzir levando em consideração os elementos de significação. Inicia-se com a produção do roteiro, a partir de uma ideia e uma pesquisa prévia do que já foi realizado sobre o tema. Pesquisa de fotos, vídeos e sites que abordam o tema escolhido são utilizados para expansão da ideia inicial a ser desenvolvida. Para isso, também é feita a escolha do formato audiovisual. Utilizará fotografias? Stop motion? Ou gravação mais próxima do real? Surge então, o momento de escolher como será a produção, a partir da ideia que será desenvolvida para o story line, sinopse e argumento.



– Processo de Produção

 

A escaleta, roteiro, plano de filmagem, analise técnica, decupagem, produção e finalização, são as últimas etapas[1], sendo:

1.      IDEIA: as ideias podem ser originadas de seis fontes: verbalizada, lida, transformada, proposta e procurada;

2.      STORY LINE: Um story line é um resumo da história a ser transformada em roteiro, ele possui no máximo cinco linhas e contém apenas o conflito principal de sua história;

3.      SINOPSE: A sinopse é mais extensa que o story line, pode ir de dez a quinze linhas e apresenta informações sobre as personagens principais e sobre o local onde se passa a história. Mitos dos cuidados em se escrever um story line também se aplicam a sinopse;

4.      PERFIL DOS PERSONAGENS: O perfil é um conjunto de informações físicas e psicológicas da personagem, podendo estar incluída a história ou antecedentes desta;

5.      ARGUMENTO: No argumento pode-se descrever melhor os ambientes onde a história se passa e se colocar as personagens secundárias;

6.      ESCALETA: É estrutura do roteiro, onde constará as cenas em ordem e o que acontece em cada cena;

7.      ROTEIRO TÉCNICO: Decupagem do roteiro literário em sequências, cenas e planos.

8.      PLANO DE FILMAGEM: Organização das sequências, cenas e planos por dia de filmagem.

9.      ANÁLISE TÉCNICA: Descrição dos objetos de cena, figurino e cenário.

10.  DECUPAGEM: É o planejamento da filmagem, a divisão de uma cena em planos e a previsão de como estes planos vão se ligar uns aos outros através de cor

11.  PRÉ –PRODUÇÃO: Preparação e planejamento para a filmagem. Preparação de cenário, figurino e atores. Visita-se o local de filmagem e se planeja a câmera e a luz a serem utilizadas.

12.  PRODUÇÃO/FILMAGEM: A direção, a produção, a arte, o som e a fotografia, bem como os atores e figurantes devem estar prontos para iniciar a filmagem. Neste momento é importante que se tenha definido completamente a decupagem, a análise técnica e o plano de filmagem.

13.  PÓS-PRODUÇÃO/FINALIZAÇÃO: O filme fragmentado durante o processo precisa ser reestruturado segundo o roteiro. Ao fim de cada dia de filmagem, as fitas são capturadas e arquivadas na ilha de edição. Faz-se um relatório de filmagem indicando as melhores tomadas, assim como indicando os erros do processo, os colaboradores, a lisa de atores e figurantes. Esse relatório é entregue ao montador e ao editor de som. Ambos fazem a mixagem do filme e o finalizam juntamente com o diretor/responsável pelo filme.

14.  MIXAGEM: No processo de armazenamento de áudio, mixagem é a atividade pela qual uma multitude de fontes sonoras é combinada em um ou mais canais. As fontes podem ter sido gravadas ao vivo ou em estúdio e podem ser de diferentes instrumentos, vozes, seções de orquestra, locutores ou ruídos de plateia.

15.  EDIÇÃO DE SOM: É processo integral de trabalho de finalização de som com três etapas básicas: a primeira é a edição do som direto captado; a segunda é a edição ambiente (ambientação do lugar); e a última é o trabalho de efeitos sonoros (cada coisa que tem na imagem tem que ser coberta pelo som)

16.  MONTAGEM: Montagem ou edição é um processo que consiste em selecionar, ordenar e ajustar os planos de um filme ou outro produto audiovisual a fim de alcançar o resultado desejado -  seja em termos narrativos, informativos dramáticos, visuais, experimentais, etc.

Na execução das etapas, no momento da captação, pode ocorrer algum imprevisto que mude o limite da realidade na gravação, abrindo espaço a novas percepções, por isso, é preciso manter-se guiado pelos elementos estabelecidos na primeira fase.

            Historicamente, o audiovisual é usado no contexto escolar somente para exibição e ilustração de conteúdo. Com o aumento das possibilidades de uso da tecnologia, para a produção e também como produtor de conhecimento, o audiovisual problematiza o seu uso, processo de produção e também a sua produção.

Antes de executar a produção de um vídeo (fase2), pegar a câmera e apertar um rec, existe uma produção de sentidos (fase 1) no qual o aluno é convidado a pensar no que consume diariamente, e produzir de uma maneira autoral a partir daí um vídeo auto significativo e contextualizado historicamente. Ter conhecimento dos elementos da linguagem como roteiro, luz, som, mise-en-scène e montagem permitem ao aluno criar sensivelmente sua própria leitura e representação da realidade. 

O audiovisual, enquanto produtor de conhecimento e produções sensíveis, caminha para a sua apropriação como resultado e representação de uma cultura, assimilado com a linguagem audiovisual.

Diante das produções dos alunos foi necessário a construção de um espaço de debate entre os alunos produtores e professores como forma pedagógica de troca de experiência.


Referências 


FIELD, Syd. Manual do roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001

MARQUES, Aída. Ideias em Movimento – produzindo e realizando filmes no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

RODRIGUES, Cris. O cinema e a produção. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

TUNER, Graeme. Cinema como prática social. Trad. Mauro Silva. São Paulo: Summus, 1997.



Filmes:


  • A noite americana - Truffaut (1973)
  • Cine Holliúdy 2 - A chibata sideral - Helder Gomes (2017)
  • Saneamento Básico - Jorge Furtado (2007)

                






[1] O enquadramento de câmera de cima para baixo é chamado de plongée. O seu sentido é dar um certo poder ao que está sendo filmado. O inverso, a câmera de cima para baixo, contra-plongée, já tem seu sentido de diminuir o que está sendo filmado.

[2] Disponível em < https://ajfern.blogspot.com/2015/07/analise-filmica.html> Acesso 01/06/2020)

[3] A cor azul é conhecida por transmitir calma e passividade, mas as suas nuances podem gerar outras sensações. Por ser um tom frio, o azul também está muito ligado à tristeza, melancolia, isolamento e frieza. Fonte (http://cinematecando.com.br/importancia-das-cores-no-cinema/)

[4] Uma única cor pode ser utilizada para transmitir diversos sentimentos. O amarelo pode nos remeter a: loucura, doença, insegurança e ingenuidade. (http://cinematecando.com.br/importancia-das-cores-no-cinema/)

[5] Vários dispositivos de transição podem ser usados ou inventados para suavizar o corte tornando-o menos súbito ou desconcertante: sobreposição de som de uma tomada para a próxima; o uso de motivações na primeira tomada que nos levem para próxima (como uma tomada de ação onde o espectador quer ver a conclusão). A maior parte dos filmes realistas evita cortes súbitos, a não ser quando se explora um efeito dramático. Um corte súbito provoca surpresa, horror e ruptura, portanto tende a ser reservado para momentos em que tal efeito é exigido. E a observação de uma linha imaginária cruzando o cenário do filme e que a câmera nunca ultrapassa, de modo que o espectador tenha uma representação coerente das relações espaciais entre os atores e o ambiente (isso se chama regra dos 180)

[6] . “Alguns diretores afirmam que “editam na câmera”, isto é, filmam cenas sequencialmente e cortam a ação no momento apropriado da transição para a próxima tomada. Isto é difícil e raro. ” (TUNER, p. 67)



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