última atualização 09-01-2023

Cineclubismo

  Cineclube: o estranhamento do olhar

          A realização de cineclubes em todo o percurso de formação audiovisual tem como objetivo a criação de um incômodo nos alunos através de exibições de filmes que possuem uma linguagem cinematográfica diferenciada dos blockbusters. O cineclubismo possibilita a desconstrução de um olhar naturalizado sobre o cinema comercial, bem como uma aproximação do conteúdo da experiência social que é o cinema. Nesse sentido, o cineclube se propõe também como um espaço de debate e de ampliação do repertório cultural dos alunos, sem, no entanto, negar a bagagem audiovisual trazida por eles para a escola. Dessa forma, a atividade cineclubista se coloca como uma ferramenta da educação para aproximar e transformar olhares, estimulando a produção coletiva de conhecimento em contraponto ao ensino vertical, em que o aluno está posto como mero receptor passivo das informações apresentadas. O cineclube se propõe também como um espaço de debate e de ampliação do repertório cultural dos alunos, sem, no entanto, negar a bagagem audiovisual trazida por eles para a escola. Nesse sentido, o debate é realizado a partir das próprias impressões e estranhamentos dos alunos em relação ao filme. Os professores debatedores não levam discursos e apontamentos prontos dos filmes para o debate, a discussão surge a partir da própria experiência fílmica dos alunos. Um exemplo dessa bagagem cultural dos alunos foi após a exibição do filme “Melancolia” (Lars Von Trier, 2011) que termina com o fim do mundo, para além do literal, a partir do impacto de um meteoro contra a Terra, um aluno levanta indignado e fala: “Esse filme é uma mentira, se tivesse um meteoro vindo em direção a Terra, a NASA iria nos salvar! ”. A partir dessa afirmação todo o debate do conteúdo, da temática da imagem na contemporaneidade, da forma e da linguagem do filme foi estabelecida e dialogada com os outros alunos, alguns afirmando que o fim do mundo era mais psicológico do que físico.

A exibição de filmes no cineclube permitiram o incomodo e um outro olhar das produções cinematográficas, considerando também a própria realidade, indo para um purgatório-presente das imagens. O primeiro ano de educação audiovisual possui aulas[1] para além das exibições do cineclube. Essas aulas discutem o papel da imagem na nossa sociedade através principalmente da série “Black Mirror” que exibem o controle: visual ou comportamental, dos indivíduos na sociedade; seja pela imagem construída, através de postagens ou pelos próprios meios tecnológicos, não sendo necessário considerar a permissão autoral para participação na imagem. Nessa última ideia, foi proposto um exercício para os alunos chamado de “álbum de si”. Os alunos escolhem cinco fotos que eles postaram, com a premissa de estar na foto ou ter tirado e estar publicada em qualquer rede social. Após a escolha, os alunos respondem as perguntas: por que postou e por que selecionou. O exercício tem como objetivo desenvolver o olhar dos alunos para a imagem construída, mas e depois de algum tempo, como isso é visto?  

Na medida que os olhares sobre as imagens aumentaram em nossa sociedade, a naturalização da exposição do cotiando muda e se adapta a padrões dos seus espectadores. Então a maneira como a imagem é construída para ser vista passa pela vigilância de seus observadores que definem, em uma relação de poder, o que o indivíduo em sua cela deve fazer. A ausência das imagens também passou a comprovar coisas. “Como é possível ir em uma viagem e não publicar nada? Então não viajou”. Ou melhor, não houve a viajem para o olhar de quem observa, porém para quem fez a viagem, ela aconteceu. A forma de vigilância pode provocar a sensação de estar sendo sempre vigiado e com isso sombras e mentiras podem ser produzidas como forma de burlar uma realidade inexistente. Uma viagem é relatada por imagens e publicada, mas e se nunca aconteceu? Aconteceu para quem olha, mas não para quem publicou[2]. Nesse momento passamos a olhar a imagem do cachimbo e não o cachimbo, em referência a obra “Ceci se ne pas une pipe”.

O que é observar? Quem observa? Observa o que? O que é permitido ver? Perguntas que surgem a partir do princípio do panóptico, feitas para todos os indivíduos de uma sociedade que ao mesmo tempo estão na sua cela e na torre central, observando e sendo observados. A partir do momento que se observa e é observado, formas de agir, pensar e fazer se transformam, mesmo que não se esteja sendo vigiado, mas a sensação acarreta a mudança.

Como os alunos observam e produzem para serem observados? Como eles se veem e se apresentam hoje? O que eles postam representa verdadeiramente o que são? Diante dessas perguntas são desenvolvidos exercícios que permeiam produzir um momento de análise e reflexão narcisista do que é postado nas nossas redes sociais entendendo principalmente o porquê, quando e como postamos essas imagens. Depois dessa etapa, é proposto uma produção de um vídeo de autorretrato como forma de reflexão do que querem que os outros vejam de si através das imagens. 

Em uma sociedade do espetáculo e suas relações por imagem, há um aumento da necessidade de “precisar olhar e ser olhado” na sua própria existência, ou seja, a imagem que olho não é necessariamente realidade, mas se torna e passa a possibilitar a criação de outras imagens para serem vistas e produzidas.



[1] Essas aulas entram em um rodizio de alunos com as outras artes do currículo como música, teatro e artes plásticas. No primeiro ano o aluno passa por todas e escolhe no segundo e terceiro uma artes para aprofundar na linguagem da arte escolhida.

[2] Zilla Van Den Born, designer gráfica holandesa de 25 anos, enganou família e amigos ao postar fotos de uma suposta viagem para a Ásia em seu Facebook. Na verdade. Fonte.https://exame.abril.com.br/tecnologia/fotos-alteradas-pelo-photoshop-nas-redes-sociais-simula-viagem-para-a-asia/

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