Em um mundo que levou o visível ao extremo, causando cegueira pelo excesso de imagens, como alcançar o invisível? (Ensaio sobre a cegueira, Saramago)
A forma crítica de olhar a realidade pode ser vista tanto na foto
trajetória quanto no exercício da fotografia do invisível. O que é invisível
nesse trajeto e no cotidiano? Essa invisibilidade é estimulada pelo próprio
sistema ou ficamos cegos diante do nosso cotidiano?
No livro “Ensaio sobre a Cegueira”, José Saramago narra uma epidemia de
cegueira branca que se espalha por uma cidade, causando um grande colapso na
vida das pessoas e abalando as estruturas sociais. Talvez a cegueira
proporcionada pelo próprio sistema capitalista é induzida como forma ideológica
de tornar visível somente o que pode ser controlado e tornado em mercadoria.
“Por que foi que cegámos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão,
queres que te diga o que penso, diz, penso que não cegámos, penso que estamos
cegos, cegos que veem, cegos que, vendo, não veem” (SARAMAGO, 1995, p. 310)
O que não é visto se torna visível na medida que a fotografia já nasce
para ser vista. A reprodução técnica possui mais autonomia que a manual porque
o autêntico e a autoridade do original não é preservada. Por exemplo, a
fotografia permite, com método de ampliação, oferecer possibilidades de
apreensão do real que escapam à visão natural, além da possibilidade de levar a
cópia do original até o espectador.
A fotografia é uma imagem mágica que trabalha o consciente do fotógrafo
e também um espaço de inconsciência do real. “A natureza que fala à câmara não
é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um
espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre
inconscientemente” (BENJAMIN, 1994, p.94). Real demonstrado pela técnica da
câmera lenta e ampliação, uma exatidão de uma fração de segundo que é revelado
na foto.
Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o que
existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a necessidade
irresistível de procurar nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e
agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar
imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos (BENJAMIN,
1994, p.94).
A fotografia do invisível é revelada nas fotos através do olhar do indivíduo e também dos acasos seja da fotografia ou da deriva. Podemos ver através dessas três fotos[1], como o invisível é representado, porém somente com uma intertextualidade é possível percebê-lo.
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A primeira foto revela um
invisível social e político onde um morador de rua dorme embaixo da frase
“despertar da consciência”. Algo que é visto todo dia, porém ainda se encontra
invisível. A segunda mostra uma sala de aula vazia, onde o conceito de invisibilidade
é demonstrado na ausência. Alguns alunos retratam a ausência através da morte
de alguém próximo ou de algo que não está ali.
A última representa uma aluna que possui o direito da gratuidade no
transporte público, mas é invisível diante do motorista que não para, na grande
maioria das vezes, para ela poder retorna para casa, ou seja, um direito que
não é respeitado.
O invisível passa a ser apreendido de diversas maneiras e a fotografia
passa ser a mediadora daqueles indivíduos e sua experiência com a realidade.
A fotografia como recriação da realidade, como simulacro
que é e não é, ao mesmo tempo, o objeto real, a fotografia no que mostra e no
que dissimula, como conhecimento dissociado da experiência que redefine a
própria realidade (CIAVATTA, 2002, p.16).
Entender a fotografia como mediação histórica de um processo social
complexo produzido historicamente e "síntese de múltiplas
determinações" é concebê-la como parte de uma memória coletiva que
possibilita a apreensão da realidade social em sua totalidade, visto que
totalidade “é um conjunto de fatos articulados ou o contexto de um objeto com
suas múltiplas relações ou, ainda, um todo estruturado que se desenvolve e se
cria como produção social do homem” (CIAVATTA, 2001, p. 132).
A mediação é a visão historicizada do objeto singular, ou seja, da
fotografia, buscando contextualizá-la dentro de um espaço e tempo histórico
cujas "determinações histórico-sociais que permitem a apreensão do objeto
à luz das determinações mais gerais". (CIAVATTA, 2001, p.136). Entender o
processo de representação da realidade em imagens fotográficas a partir do
pressuposto de construção de sentido é apreender das práticas sociais mediadas
pelas imagens na sociedade capitalista.
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