A foto trajetória é baseada em dois conceitos que se complementam diante da experiência fotográfica: o flâneur de Walter Benjamin e a Teoria da Deriva de Guy Debord. Esse diálogo é estabelecido quando o indivíduo cria uma experiência, mediada pela fotografia, do real diferente da sua vivencia padronizada, em sua grande maioria não crítica e não poética.
Os indivíduos aparentemente não possuem mais tempo ou até mesmo paciência de andar nas ruas das cidades sem destino, observando o seu redor. O flâneur, do qual fala Walter Benjamin (1989) não mais caminha tranquilamente pelas ruas, apreendendo cada detalhe, sem ser notado, sem se inserir na paisagem, buscando uma nova percepção da cidade. Ele é transformado em um sujeito pós-moderno que não se fixa em um determinado centro, muda a todo tempo e tem uma identidade fragmentada, assim como as imagens urbanas.
Em um passeio pela cidade, o flâneur pós-moderno se depara com uma fragmentação de imagens e estímulos, ficando desprovido do desenvolvimento de uma análise crítica sobre as imagens e dos estímulos proporcionados. Segundo Benjamin, o indivíduo possui uma vivência (Erlebnis), “um processo contínuo, acelerado e fragmentado, onde a impressão forte e factual, a imediaticidade o deformam em sua capacidade de pensar, entender e sentir”. (apud PUCCI, 1989, p.111). O caminhar do flâneur tranquilo é o oposto da existência de tamanhos estímulos provocados pela rapidez e fragmentação das imagens em seu caminho. Assim, a experiência (Erfahrung), diferentemente da vivência (Erlebnis), é atingida com potencial formativo de crítica às imagens.
O deslocamento pela cidade também é apresentado na teoria da Deriva, do autor Guy Debord (1958) como um conceito que está ligado ao reconhecimento de “efeitos da natureza psicogeográfica, e à afirmação de um comportamento lúdico construtivo, o que se opõe em todos os aspectos às noções clássicas de viagem e passeio. ” DEBORD, (1958). Para o autor, as pessoas se lançam no seu deslocamento na cidade à uma deriva de encontros e solicitações de terreno e com isso, trazem consigo, reações vivas e afetivas também ao consumo e produção de imagens.
Guy Debord, The Naked City, 1957
intervalo de tempo compreendido entre dois períodos de
sono. São indiferentes os pontos de partida e chegada no tempo com respeito à
jornada do sol, mas deve assinalar-se, contudo que as últimas horas da noite
são geralmente inadequadas para a deriva.
O acaso, como uma greve de ônibus ou questões meteorológicas, também
possui um papel importante pois tem como objetivo reduzir a uma alternativa “de
um número limitado de variáveis, e ao cotidiano”, ou seja, “revelaria um
sentimento que seria a deriva ou não seria nada. O que se pode escrever só
serve como produto deste grande jogo”
O mapa a
seguir mostra a deriva fotográfica de alunos, cada cor representa uma turma do
segundo ano do Ensino Médio em anos diferentes, da Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio, do bairro de Manguinhos (RJ). Segundo Chombart de Lauwe (apud
Debord, 1957) “um bairro urbano não está determinado somente pelos fatores
geográficos e econômicos, mas sim pela representação que seus habitantes e os
de outros bairros têm”. Na sua maioria, os alunos não são moradores do próprio
bairro da escola, porém o trajeto mostrado pelas fotos representa a deriva
deles no percurso e em outros casos, o trajeto realizado durante as
férias.
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O exercício proposto consiste em transformar o acaso do trajeto
cotidiano em uma imagem poética e de percepção da realidade. Essa imagem
fotográfica desnaturaliza à deriva do seu cotidiano ao mesmo tempo que a produz
sob uma nova forma de olhá-la. Quando esta percepção da realidade é alcançada,
a foto deixa de ser somente uma imagem, transformando o aluno em um expectador
ativo, interpretativo e crítico da realidade.
Como outras linguagens, a fotografia expressa a compreensão pelo olhar, os modos de ver, as relações. Se a imagem acompanha a vida humana como representação da realidade, como memória e expressão da cultura de um povo, de uma época, garantia de uma visão do passado, hoje, com a comunicação informatizada, ela nos desafia a compreendê-la em novas temporalidades, como mediação complexa dos processos educativos. (CIAVATTA, 2002, p.13)
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