No filme “Experiência” do
diretor Abbas Kiarostami (1973), Mamad é um órfão de 14 anos que trabalha e
dorme em uma loja de fotografias, onde o seu patrão é ríspido, o explora e o
humilha. Mamad se apaixona por uma estudante mais velha de uma família de
classe média quando a vê na porta da casa. Como forma de sair das humilhações
do seu patrão da loja de fotografias e ficar mais perto da garota, ele tenta
arrumar um emprego na casa dela. À primeira vista “Experiência” é mais um
melodrama romântico nas periferias de Teerã, no entanto na verdade é uma
subversão da famosa fábula 'menino pobre se apaixona por menina rica' com
adaptado ao retrato do protagonista tem que enfrentar o mundo do trabalho duro.
A experiência de Mamad dialoga com Edward Thompson (1987) pois o autor
apreende o diálogo existente entre o ser social e a consciência social por intermédio
da totalidade e historicidade dos fenômenos sociais, ou seja, como os homens e
as mulheres tomam consciência dentro de determinadas condições sociais. A
experiência tem como ponto de partida a sua posição de órfão e perpassa pela a
relação com o patrão e com os adultos que ele encontra na rua e termina com a
realidade da resposta da mãe da garota que se apaixona.
O adulto mais próximo é o seu patrão, uma pessoa austera e nas raras vezes que o direciona a palavra a Mamad é para humilhar, bater e ameaçar em despedi-lo, ou seja, a relação entre eles é somente de humilhação. Para tentar diminuir a relação de superioridade do adulto representado pelo seu patrão, Mamad começa a usar do comportamento de ser adulto, como fumar, fazer barba, lustrar sapatos num engraxate e carteira de identidade, uma suposta fuga da sua infância. Essa representação de ser adulto não traz consigo a sua mascará, que para Benjamin (2002), chama-se experiência.
Porém “o que esse adulto experimentou? O que ele nos quer provar?”. Alguns adultos querem mostrar que já foram também jovens, que não acreditaram em seus pais e que cometeram “doces asneiras na juventude, ou no êxtase infantil” (BENJAMIN, 2002, p. 21). Porém o que se vê na relação de Mamad com o seu chefe é uma amargura por parte do adulto que quer logo demostrar o lado ruim da vida para a criança.
O adulto filisteu para o autor é o burguês que despreza a juventude com seus anos de compromisso, monotonia e tédio. Seus valores são estritamente materiais, desprovidos de imaginação artística e intelectual. A escravidão é percebida na relação de Mamad e seu patrão que tenta empurrar o garoto para esta escravidão. Os fenômenos só adquirem sentidos a partir da experiência de homens e mulheres reais.
O que não é experimentado no filme, através da infância, é a experiência do amor, quando Mamad é rejeitado para trabalhar na casa de menina. Porém este fato é a própria característica de um espírito livre de uma criança que vê em tudo uma novidade e se interessa intensamente pelas coisas, mesmo as mais triviais. Mamad resolve sair da loja de fotografias para conseguir algo que nunca foi experimentado na sua vida. Desiste de tudo de um “eterno-ontem” e corre atrás de um futuro incerto, tão incerto que não consegue tê-lo.
Mamad, abandona o posto no
estúdio e veste suas melhores roupas para se candidatar a um trabalho na casa
da amada. Em um diálogo quase completamente inaudível, a mãe da menina termina
dizendo que vai considerar a proposta com o marido, pedindo que ele retornar no
fim da tarde. Kiarostami nos deixa tão ansiosos quanto o protagonista enquanto
aguardamos a resposta e acompanhamos Mamad experimentar os prazeres da vida
adulta enquanto espera, como fumar em um cinema com seus sapatos perfeitamente
engraxados.
Quando volta à casa em
busca de sua resposta, é atendido pela garota dos seus sonhos que abruptamente
acaba com as expectativas criadas e fecha a porta, deixando ambos Mamad e o
expectador desolados com a frustação da negativa. Tão súbito quanto a resposta
o fim do filme, que não tem mais para onde ir, como o próprio Mamad. Com um
misto de aborrecimento e melancolia, Kiarostami nos deixa uma reflexão sobre o
papel da criança na sociedade e como a vida adulta às vezes pode chegar cedo
demais.
A imagem fotográfica é uma reprodução de instantes, momentos, espaços, durações e percursos. A condição fragmentada da vida moderna dificulta uma visão da totalidade do cotidiano e a superação da fragmentação dependendo assim da capacidade de percepção crítica do indivíduo com o meio ambiente e também social em que está incluído.
Nenhum comentário:
Postar um comentário