Professor da disciplina de Audiovisual da EPSJV/FIOCRUZ
Coordenador da Mostra Audiovisual Estudantil Joaquim Venâncio
Coordenador do Seminário de Audiovisual e Educação
Uma revolução só pode ser filha da
cultura e das ideias[1]
Os jovens passam a ser um dos maiores alvos
do consumo destas imagens. As décadas de 50 e 60 expressavam uma autonomia da
juventude (HOBSBAWM[2], 2008).
Grandes figuras, como Janis Joplin, Bob Marley, Jimi Hendrix, morreram jovens e
representavam como a juventude tinha uma capacidade de questionar sua realidade
e principalmente ter uma característica de desejo de mudança.
Este reconhecimento de um
adolescente consciente, preparado para o mundo adulto começou a ser admirado
cada vez mais pela indústria que se formava, criando mecanismos para
transformar este jovem questionador em um provável consumidor. Um consumidor de
ideal romântico, herói revolucionário construído em diversos filmes
cinematográficos. A indústria de bens de consumo percebeu que os jovens
começaram a aumentar o seu poder de compra, além da facilidade de adaptação
frente ao uso das novas tecnologias que apareciam, levando vantagem sobre as
pessoas de grupos etários mais conservadores.
Assim, a imagem do herói jovem,
revolucionário, questionador do sistema, referenciado nas grandes figuras das
décadas de 50 e 60, transforma-se na imagem do jovem americano com calça blue jeans. O objetivo era transmitir
uma imagem jovial para quem usasse aquilo, diferenciando o jovem dos seus pais,
e proporcionando uma imagem de um indivíduo “avançado no seu tempo”. Ou seja, a
imagem cultural do jovem começa a ser igual a da hegemonia cultural dos EUA.
Para atingir a grande massa de jovens, os EUA utilizaram também a indústria
cinematográfica.
Para Hobsbanw (2008), foi a partir da década
de 60 que a imagem da cultura do jovem americano se difundiu através da
televisão, dos discos de música e depois fita cassete, principalmente de
músicas estilo rock[3] e das
viagens de turismo para jovens, contribuindo para disseminar o modo de consumo
de mercadorias entre os jovens. “A sociedade do espetáculo agora, não promete
mais nada. Já não diz: ‘O que aparece é bom, o que é bom aparece.’ Diz apenas: ‘É
assim’.” (DEBORD, 1997,p.161)
É preciso pensar, então: o jovem da sociedade
enraizado na história carrega consigo uma bagagem cultural imagética
naturalizada e padronizada? Educar, neste contexto, apropriando-se do
pensamento de Paulo Freire, é interpretar não somente um texto, como na
educação tradicional, e sim discursos que as imagens produzidas pelo
capitalismo querem transmitir. Uma das apropriações técnicas realizadas pelo
capital, no campo das imagens, foram o cinema e a fotografia que vendem a ilusão
da realidade e mais contemporaneamente, o audiovisual.
A
indústria cultural percebeu que os jovens começaram a aumentar o seu poder de
compra, além da facilidade de adaptação frente ao uso das novas tecnologias que
apareciam, levando vantagem sobre as pessoas de grupos etários mais
conservadores. Em uma sociedade onde a influência imagética atua em quase todas
as esferas do cotidiano, é preciso questionar as condições em que os jovens
podem construir seu próprio olhar, bem como as condições em que a juventude
seria apenas reprodutora ideológica da imagem espetacular. Pensar e propor um
lugar de crítica, discussão e produção de imagens na escola, tendo como
pressuposto a construção do próprio olhar do aluno, garantido um processo de
formação marcado pela autonomia e emancipação social.
A escola assume um grande lugar estratégico
para a formação de um indivíduo crítico das imagens naturalizadas no cotidiano.
Mas esta produção de imagens é mera reprodução subjetiva da ideologia do
capital? Ou traz uma autoria sobre ela? Configura-se, assim, uma difícil
missão: pensar uma educação audiovisual no ambiente escolar considerando outros
espaços formativos como a TV e o Cinema, que não são tradicionalmente vistos
como ambientes pedagógicos formativos.
Para Louis Althusser (apud SILVA, 2007[4]), a escola, enquanto aparelho ideológico de estado, reproduz em seu currículo as ideologias dominantes. Ideologia em que de um lado temos os proprietários dos meios de produção e do outro a classe trabalhadora. O impacto desta ideologia na formação dos indivíduos se configura em uma educação geral e humanista para a classe dirigente e uma educação voltada ao trabalho para a classe dominada. Bourdieu define este processo como uma reprodução cultural,
“processo pelo qual um grupo, como por exemplo a burguesia francesa, mantém sua posição na sociedade por meio de um sistema educacional que parece ser autônomo e imparcial, embora na verdade selecione para a educação superior com as qualidades que lhes são inculcadas desde o nascimento naquele grupo social”. (apud. BUKER[5], 2002. p.77)
Paulo Freire direciona a sua crítica à
“educação bancária”, definida como mera transmissão de conteúdos pelo educador,
resumindo o educando a mero receptor passivo. Uma das grandes contribuições de
Freire para pensarmos uma educação audiovisual é seu método de colocar o
educador e o educando como sujeitos ativos do processo. Seus ensinamentos
exigem uma “ética universal do ser humano”[6]
(FREIRE, 1996, p.11), ou seja, ter, principalmente, respeito à identidade
cultural e aos saberes dos educandos. Freire também mostra que as atitudes dos
professores dentro e fora da sala de aula influenciam sobre os saberes passados
para os alunos.
Os alunos, dentro da “sociedade do
espetáculo”, possuem uma cultura imagética adquirida através de diversos
lugares como cinema, televisão, entre outros fora do contexto escolar. É
preciso que o educador perceba esta influência para poder aplicá-la nos
conteúdos ensinados. Além disto, o professor, segundo Freire, precisa ter consciência
da “curiosidade ingênua” (baseia-se na experiência cotidiana) dos alunos que
precede a escola, transformando-a em uma “curiosidade epistemológica” (possui
rigor metodológico).O educando passaria a ter uma reflexão sobre sua realidade,
enxergando seu contexto para transformá-lo. Sua autonomia é garantida na
construção de um cidadão crítico da sociedade.
Qual o papel e importância da formação pelo
cinema e audiovisual? Em tempos de semiformação mitificada pela sociedade
espetacular, o audiovisual cumpre um papel importante na formação dos alunos
como elemento intelectual e artístico capaz de forjar leituras de mundo
autênticas, unindo elaboração crítica sobre a realidade e sensibilidade.
Portanto, o audiovisual na educação além de se realizar como crítica da
sociedade produtora de mercadorias, incide sobre o processo de formação humana
a partir de um horizonte de criação e liberdade, permitindo aos jovens problematizar
o existente e imaginar novas formas de sociabilidade humana, características
presentes no projeto de uma educação politécnica. Neste sentido, o audiovisual
na educação se articula com diversos campos de conhecimento, em especial com a
história, a filosofia, a literatura e as artes de modo geral, dando conta de um
conteúdo inovador para a formação de nível técnico em saúde.
Neste contexto, a escola passa a conviver e a
perceber que existem outros espaços formativos cada vez mais importantes na construção
de significados e subjetividades. Configura-se, assim, uma difícil missão:
pensar uma educação audiovisual no ambiente escolar considerando outros espaços
formativos como a TV, o Audiovisual e o Cinema, que não são tradicionalmente
vistos como ambientes pedagógicos formativos. É preciso pensar uma educação
audiovisual com base no pensamento educacional crítico, bem como nos projetos
políticos pedagógicos, buscando condições e maturidade de oferecer aos alunos
autonomia diante da imagem espetacular produzida pela sociedade capitalista
contemporânea.
A educação pelo cinema e audiovisual do aluno
implica diretamente uma educação do olhar como crítica da imagem, bem como um
aprendizado da linguagem audiovisual através de um processo coletivo de
produção que inclui construção do argumento e roteiro através de pesquisa,
filmagem, produção e edição. Cabe ressaltar que a linguagem audiovisual
proporciona ao aluno um conhecimento acerca das interfaces entre comunicação,
informação e saúde, a partir de uma educação baseada na técnica, no olhar e na
crítica, além de estimular novas
formas de comunicação: mais crítica e criativa, e que faça sentido e se
articule com os princípios e diretrizes do SUS. Portanto, a realização de uma
produção audiovisual com os jovens do Ensino Médio, tendo como referência a
educação politécnica, não passa apenas pelo domínio das tecnologias de
produção, reprodução e difusão das imagens, mas fundamentalmente pela
compreensão do papel da proliferação das imagens no mundo real.
A produção audiovisual não separa o domínio
das câmeras, das ilhas de edição de um processo de formulação onde a crítica da imagem é o eixo
central, tendo como referência a dinâmica real do cotidiano destes jovens
e da realidade contemporânea. A educação em audiovisual crítica não pode ser
pensada somente no que se diz respeito à operação de máquinas, mas sim
problematizar a realidade do educando com a totalidade social no qual está
inserido. “O aspecto tecnológico é determinado pelo contexto social e econômico,
o qual, na atualidade, tem a globalização de caráter neoliberal como sua
principal característica”.(BERNARDO[7],
2009, p.22). Para Freyssenet, “a técnica não é aquela esfera isenta de qualquer
determinação social, mas, como tudo que acontece na sociedade, é um produto
social”.(FREYSSENET, 1990, p.112, apud, BERNARDO, 2009, p.22). Ou seja, na
concepção da educação audiovisual crítica, ser técnico de som, não é somente
operar o som, e sim entender a relação complementar possível entre imagem e
som, e também o processo de produção de um filme como todo.
Educação pelo cinema e audiovisual é a
produção de significados e sentidos na educação do olhar do aluno diante do
processo de produção das imagens na qual “recolhe os princípios gerais e de
caráter científico de todo o processo de produção e, ao mesmo tempo, inicia as
crianças e adolescentes no manejo de ferramentas elementares dos diversos ramos
industriais” (MARX, 1983, p.60, apud RODRIGUES[8],
2009, p.169). Quando se faz leitura de
um filme, o ponto inicial é feito a partir de um campo de conhecimento e de
vivência do próprio espectador / aluno. Isto é, o aluno já entra na escola com
uma carga de imagens naturalizadas e com significados que “são posições
específicas de poder e promovem posições particulares de poder” (SILVA[9],
2001, p.23).
Em uma sociedade onde a influência imagética
atua em quase todas as esferas do cotidiano, é preciso questionar as condições
em que os jovens podem construir seu próprio olhar, bem como as condições em
que a juventude seria apenas reprodutora ideológica da imagem espetacular.
Pensar e propor um lugar de crítica, discussão e produção de imagens na escola,
tendo como pressuposto a construção do próprio olhar do aluno, garantido um
processo de formação marcado pela autonomia e emancipação social.A Educação
Audiovisual possuí a Cultura, como dimensão simbólica da vida social.
Garantir o processo de aprimoramento do aluno
no sentido do desenvolvimento de valores e instrumentos de compreensão e
crítica da realidade e também o acesso ao conhecimento cientifico e tecnológico
na contemporaneidade, resgatando o processo histórico deste conhecimento. A
produção e discussão do audiovisual assumem a dinâmica de resgate da cultura e
seus valores em uma dinâmica de relação com o trabalho.
Em tempos de semiformação mitificada pela sociedade espetacular, a crítica da cultura cumpre um papel importante na formação dos alunos como elemento intelectual e artístico capaz de forjar leituras de mundo autênticas, unindo elaboração crítica sobre a realidade.
A
Educação Audiovisual vai além de se realizar como crítica da sociedade
produtora de mercadorias, incide sobre o processo de formação humana a partir
de um horizonte de criação e liberdade, permitindo aos jovens problematizar o
existente e imaginar novas formas de sociabilidade humana, características
presentes no projeto de uma educação politécnica. Na contemporaneidade, é
discutida a questão da “mentira” da imagem fotografia. Com os avanços
tecnológicos da informática a fotografia pode sofrer manipulações,
transformando a “realidade” fotografada. Para Mauad[10]
“não importa se a imagem mente; o importante é saber por que mentiu e como mentiu”
(2008, p.36)
O aluno já entra na escola com uma
carga de imagens naturalizadas e com significados que são posições específicas
de poder. É preciso pensar uma educação audiovisual com base no pensamento
educacional crítico, bem como nos projetos políticos pedagógicos, buscando
condições e maturidade de oferecer aos alunos autonomia diante da imagem
espetacular produzida pela sociedade capitalista contemporânea. Entende-se que
a escola não tem o objetivo de somente formar jovens espectadores passivos para
a indústria e sim uma formação do olhar e desenvolvimento de espírito crítico.
Entender
o processo de representação de imagens a partir do pressuposto de construção de
sentido é apreender das práticas sociais mediadas pelas imagens na sociedade
capitalista. Na perspectiva de produto cultural, a mensagem fotográfica,
segundo Mauad, “está associada aos meios técnicos de produção cultural” assim
há uma contribuição “para a veiculação de novos comportamentos e representações
da classe que possui o controle de tais meios, e por outro, atuar como
eficiente forma de controle social, por intermédio da educação do olhar.
(MAUAD, 2008. p. 27). Para a autora é preciso considerar três aspectos
teórico-metodológicos sobre as imagens visuais: a questão da produção, da
recepção e do produto. A recepção está
associada ao valor
atribuído à imagem pela sociedade que a produz, mas também recebe. (...) Se a
relação da imagem com o seu referente e o grau de iconicidade dessa imagem é
uma questão estética, tem a ver com a recepção e como, por meio desta recepção,
se atribui valor à imagem: informativo, artístico, íntimo etc. (MAUAD, 2008. p.
21).
A educação audiovisual não pode ser
pensada somente no que se diz respeito à operação de máquinas, mas sim
problematizar a realidade do educando com a totalidade social no qual está
inserido. É a produção de significados e sentidos na educação do olhar do aluno
diante do processo de produção das imagens na qual “recolhe os princípios
gerais e de caráter científico de todo o processo de produção e, ao mesmo
tempo, inicia as crianças e adolescentes no manejo de ferramentas elementares
dos diversos ramos industriais”.
Vídeo produzidos pelos alunos para vinheta da Mostra Audiovisual Estudantil Joaquim Venâncio. Demonstra como as aulas de audiovisual não só esteticamente e tecnicamente transformam a maneira de olhar e produzir vídeos mas também a forma de como pensar a produção do vídeo.
Produzido pelos alunos de Biotecnologia (Turma 2019): Caio Rodrigues, Gabriel Salles, Rafael Cavalcanti
[1]
Discurso proferido pelo Presidente do Conselho de Estado da República de Cuba,
Fidel Castro Ruz, na Aula Magna da Universidade Central da Venezuela, no dia 3
de Fevereiro de 1999. Disponível em <
http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/1999/por/f030299p.html> Acesso em 19
jan 21
[2] HOBSBAWM,
Eric. Revolução Cultural. In.___. Era
dos extremos: o breve século XX: 1914 - 1991. 2.ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008. p.314-337.
[3] O
rock é símbolo de revolução “Sexo, drogas e rock´roll”. As letras em inglês
muitas das vezes não são traduzidas fazendo, assim, aumentar a hegemonia da
língua norte americana.
[4] SILVA,
Tomaz Tadeus da. Documentos de identidades: uma introdução às teorias do
currículo. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
[5] BURKE,
Peter. História e teoria social. São Paulo:
Editora UNESP, 2002.
[6] FREIRE,
Paulo. Pedagogia da Autonomia. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
[7] BERNADO,
Márcia Hespanhol. Novos discursos, novos modelos...novas práticas? IN: ___.
Trabalho duro, discurso flexível: uma análise das contradições do toyotismo a
partir da vivência de trabalhadores. São Paulo, Expressão Popular, 2009.
p.19-34.
[8] RODRIGUES,
José. Educação Politécnica. In:
PEREIRA, Isabel Brasil et all. Dicionário da Educação Profissional em Saúde.
2.ed.Rio de Janeiro: EPSJV, 2009, p.168-175.
[9] SILVA,
T. T. Currículo como prática de
significação. In.: O Currículo como fetiche: a poética e a política do
texto curricular. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p.07-21.
[10] MAUAD,
Ana Maria. Fotografia e história,
possibilidades de análise. In. CIAVATTA, Maria. ALVES, Nilga (orgs). A
leitura de imagens na pesquisa social: história, comunicação e educação. 2ª ed.
São Paulo: Cortez, 2008. p.19-37
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