1. INTRODUÇÃO
Este artigo aborda as principais
etapas da construção de um roteiro para a gravação de uma obra audiovisual. Com
base em autores como Doc Comparato, Maciel e Syd Field, apresenta ao leitor
fundamentos epistemológicos que dialogam e corroboram com aqueles que se
colocam a produção de um roteiro.
Como experiência prática e objeto de
análise, apresentamos ao leitor, parte do roteiro do curta-metragem, As
cartas de Aurélia, produzido por uma estudante do 9° ano do Ensino
Fundamental II, dentro do projeto de produção audiovisual estudantil “Eu faço
cine na escola” sob a orientação de Ademir Bandeira (eu - autor deste artigo),
além de tornar disponível o curta-metragem.
2.
O
ROTEIRO
Para transformar uma ideia em uma obra audiovisual,
precisa-se passar por algumas etapas fundamentais, dentre várias, o roteiro é o
que se configura como parte inicial. Afim de dialogar sobre este tema, apresentamos
neste artigo fundamentos metodológicos sobre a produção do roteiro.
Como nasce uma
produção audiovisual? é a partir do que é apresentado pelo roteirista que tudo
acontece. A princípio precisamos entender que a pessoa que escreve o roteiro é
um profissional da área ou alguém que tenha experiência. É dado a ele o nome de
roteirista. Este profissional cria e descreve cada personagens da obra de
maneira minuciosa, a ponto de criar um enredo que envolva o telespectador. Não
lhe importando se é uma obra de grande, médio ou pequeno porte, o roteiro
precisa ser construído para que o filme seja rodado.
O Roteiro é a
forma escrita de qualquer audiovisual. É uma forma literária efêmera, pois só
existe durante o tempo que leva para ser convertido em um produto audiovisual.
No entanto, sem material escrito não se pode dizer nada, por isso um bom
roteiro não é garantia de um bom filme, mas sem um roteiro não existe um bom
filme. (Comparato, 2009, p. 27-28).
Como apresenta o autor, o roteiro é a transição do
imaginário criada pelo roteirista para a realidade interpretada pelos atores. De
acordo com Syd Field (2001) o roteiro é uma história contada com imagens. Ele
tem existência até a obra ser gravada e finalizada. Escrever roteiro é fazer
perguntas e buscar respostas, apresentar espaço e argumentar. Sobre o aspecto
de identidade, este documento tem algumas nomenclaturas, sendo denominado de
texto descritivo, guia de filmagem ou ainda de transcrição de uma obra
audiovisual.
Os americanos
chamam-no “screenplay”, uma peça para a tela, de maneira a distingui-la da “simples
play”, destinada ao placo. Os franceses o chamam de “scenario”, para designá-lo
como um conjunto de cenas. E nós o chamamos de “roteiro”. E não é uma má
palavra para o caso. Roteiro é uma rota não apenas determinada, mas
"decupada", dividida, através da discriminação de seus diferentes
estágios. Roteiro significa que saímos de um lugar, passamos por vários outros,
para atingir um objetivo final. Ou seja: o roteiro tem começo, meio e fim -
conforme Aristóteles observou na tragédia grega como uma necessidade essencial
da expressão dramática. (MACIEL, 2010)
O jornalista, escritor, filósofo e
roteirista Luiz Carlos Maciel apresenta algumas destas definições para chamar
atenção quanto ao papel do roteiro. Ele o apresenta como uma seta a ser
seguida. É um processo criativo que tem etapas bem definidas, que precisam ser
seguidas para obter-se um resultado satisfatório.
O roteiro no processo audiovisual vai
além do fato de contar uma história. O roteirista precisar apresentar aos
profissionais que irão produzir a obra o máximo de elementos visuais e não
visuais que precisarão estar presentes no projeto. Mas nos perguntamos, de onde
nasce o roteiro e como é sua estrutura?
De acordo com Comparato (2009) o
roteiro se divide em seis etapas até chegar à conclusão, sendo subdividido em ideia,
conflito, personagem, ação dramática, tempo dramático e unidade dramática. Ainda
de acordo com o mesmo autor, o roteiro precisa responder alguns pontos, como
exposto abaixo:
(...) escrever um roteiro é fazer
constantemente perguntas: A que (conflito), quem (personagem), onde
(localização), qual (ação dramática), como (estrutura), (...) quanto
(em que quantidade de tempo vai ocorrer) (Doc Comparato 2009, p. 168).
De acordo com o autor, se for respondido
aos questionamentos acima tratado, há uma grande chance de o roteirista
produzir um trabalho sólido, capaz de ser rodado por outra pessoa, que não seja
o próprio profissional da escrita.
A
IDEIA
O roteiro nasce a partir de uma ideia
que o roteirista tem e deseja transformá-la em algo real dentro do imaginário
cinematográfico. Esse é o ponto chave. Boas ideias afloram com muito
conhecimento de mundo e percepção da realidade humana. O roteirista tem a
liberdade de junta várias realidades e transformá-la em uma única. O grande
desafio é fazer algum diretor transformar a realidade poética do roteirista em
um filme, mas isso não é para ser discutido neste momento.
O
CONFLITO
O conflito é uma das etapas mais
importes dentro do roteiro, para não dizer a mais. A ideia apresenta o conflito
que conduz a narrativa, o enredo. É o conflito que segura o telespectador até o
final da obra. Um conflito fraco, sem identificação com a realidade humana,
dificilmente fará com que o telespectador se identifica com a obra. A partir do
conflite que o roteirista constrói a storyline - que é um pequeno texto,
no máximo cinco linhas, mas que contém todas as informações essenciais da
história.
OS/AS
PERSONAGENS
As personagens dão vidas a história. Elas podem ser
animadas ou inanimadas, como por exemplo uma pessoa ou bicho de pelúcia. O roteirista
as apresenta no argumento e, é importante que cada uma seja muito bem
construído, a ponto de ocupar o espaço dentro do enredo. De acordo com Syd
Field (1999) o personagem precisa ser apresentado sob três viés básicos, o
pessoal, o privado e o profissional.
A personagem principal, a que convive
diretamente com o conflito, deve ser intensa, pois é nela que o telespectador
se identificará, garantindo o sucesso ou não da história.
AÇÃO
DRAMÁTICA
É na ação dramática que a roteirista
estrutura as ações e como elas devem acontecer, sendo que o conflito precisa ser
muito bem apresentado. Nesta etapa junta-se “o que”, “quem”, “onde” e “quando”
ao “como”, para sinalizar a maneira que a história será narrada. Aqui é espinha
dorsal da produção, ou seja, o roteirista precisa deixar esta seção muito bem
explicada, pois ainda não há diálogos, apenas descrições de como as cenas serão
intercaladas.
TEMPO
DRAMÁTICO
Ao definir o tempo de cada cena, o
roteirista abre espaço para a composição dos diálogos. Nesta etapa são organizadas
e intercaladas as cenas e as falas. Mas ainda não se deve considerar o roteiro
pronto. O tempo dramático precisa ser muito bem estudado para tornar a
sequência suave. Diversas revisões serão necessárias para alcançar um produto
final com o mínimo de desacertos possíveis.
UNIDADE DRAMÁTICA
Ao
chegar a esta etapa, a unidade dramática, o roteiro precisa estar pronto para
ser rodado. Como geralmente o roteirista não é também o diretor, evitar ao
máximo informações textuais duvidosas que possam confundir o diretor, torna o
trabalho mais fácil de ser realizado. Quem se propõe a escrever, precisa
entender que é um trabalho muito minucioso, cheio de detalhes, que precisa estar
tudo dentro da mais perfeita harmonia. Uma boa dica para quem escreve é
realizar boas leitura antes de entregar o texto ao solicitante.
3. ANÁLISE
DO ROTEIRO
Para exemplificar a nossa discussão,
apresentarei parte do roteiro do curta-metragem As Cartas de Aurélia,
gravado dentro do projeto de cinema escolar “Eu faço cine na escola”, sob
minha orientação (Ademir Bandeira) com os estudantes do Ensino Fundamental II
(6º ao 9º ano) da Escola de Tempo Integral Luiz Nunes de Oliveira, situada em
Buritirana, distrito de Palmas, capital do Tocantins.
O roteiro e o curta, As cartas de Aurélia, foram produzidos no ano de 2019 e submetido em festivais estudantis ao longo pais.
As
cartas de Aurélia
(Roteiro
de Maiely Kemily e Ademir Bandeira)
CENA 01. NA
PRAÇA DA CIDADE. EXTERNO. DIA
A família de Aurélia passeia na
praça e brinca no balanço. A mãe de Aurélia a balança em um balanço de metal,
seguido do pai, que realiza a mesma ação com o Eduardo, o irmão mais velho de Aurélia.
Em seguida a família passeia de bicicletas no mesmo local. Esta cena as crianças
têm entre 7 a 9 anos de idade.
CENA 02. NO QUARTO DE
AURÉLIA. INTRNO. DIA
Aurélia, adolescente de 14 anos,
cabelos longos, de estatura média e magra. Ela está dormindo em uma cama. No
chão há uma pantufa de cor vermelha, livros em cima de uma mesa, uma boneca de
pano. Ao lado da garota há um celular, que passados alguns segundos ele dispara
despertador.
O despertador do celular toca,
Aurélia: esqueci de tirar o despertador. Cancela o alarme e volta a dormir. A
câmera faz um close na menina. Dorme por algum tempo, em seguida ela se
desperta, senta na cama, fica alguns segundos pensativa, arruma os cabelos,
calça a pantufa, pega o celular, olha se há alguma mensagem, depois sai do
quarto em direção ao banheiro. No banheiro, ela abre o porta escova, pega o creme
dental, adiciona a escova, liga a torneira e realiza a escovação, depois
caminha para a cozinha e, para próximo a mesa e diz:
AURÉLIA
Hum.... Que
cheirinho bom! Minha mãe já colocou a mesa do café da manhã!
Aurélia senta à mesa, pega um
pedaço de bolo, coloca no prato. Em seguida diz:
Nossa que
silêncio! Parece que não tem ninguém em casa. O Eduardo como sempre não acordou.
Nem minha mãe não está cantarolando hoje. Que estranho!
Aurélia está levemente triste. Após
comer um pedacinho do bolo, exclama:
AURÉLIA
Hum, que
delícia!
EDUARDO
Eduardo, adolescente de 16 anos,
magro, alto, meio mal humorado irmão de Aurélia. Ele se aproxima da mesa de
café da manhã e cumprimenta a irmã:
E aí?
AURÉLIA
Oi, Edu,
como sempre acordou tarde hoje, hein!?
EDUARDO
Não enche!
(O garoto está mal-humorado). Senta
à mesa e começa a tomar o café da manhã. Depois pergunta em voz áspera:
Eduardo
Cadê minha
mãe?
AURÉLIA
Não sei,
quando acordei a casa estava em silêncio. Acho que ela saiu para comprar alguma
coisa!
Os dois continuam
tomando o café da manhã.
EDUARDO
Me passa a
manteiga!
(Aurélia termina de tomar o café da
manhã, levanta e vai para o quarto. Lá ela escolhe um livro e inicia a leitura).
CENA 03. NA SALA DE TV.
INTRNO. NOITE.
Eduardo zapeia os canais da tv. A sala
está escura, pois as lâmpadas estão desligadas.
EDUARDO
Que droga,
não tem nada nesta TV.
Continua zapeando os canais.
Aurélia abre a porta do quarto e vem para a sala e exclama:
AURÉLIA
Mas que escuridão é esta Eduardo?
(Nervosa e senta no sofá, mas calmas relata). Eduardo, estou preocupada com
minha mãe, faz um tempão que ela saiu de casa. Já são 19h e nada dela voltar!
EDUARDO
Você está
preocupada demais, acalma, ela deve estar na cada de alguma amiga.
AURÉLIA
Não entendo
como você consegue ficar tão calmo, Eduardo! Já é noite e nada de ela voltar.
EDUARDO
Não enche!
Eduardo levanta e sai da sala esbravejando.
Aurélia deita no sofá, pega o celular, zapeia-o até dormir.
Como surgiu a ideia para o roteiro?
Em sala de aula, a partir de uma dinâmica de contação de histórias, um dos
estudantes comentou sobre a situação de dois irmãos que haviam perdido o pai em
um acidente e a mãe repentinamente havia desaparecido. O motivo alegado foi que
após a morte do esposo, a mãe dos adolescentes sumiu sem deixar nenhuma
explicação. A narrativa chamou atenção da turma, que logo decidiu trabalhá-la
como roteiro. Como já existia uma organização interna, os próprios estudantes
se organizaram e então a “escritora da turma” iniciou a produção do roteiro.
O enredo do curta se estruturou na angústia
vivenciada pelos irmãos a espera do retorno da mãe a casa. Os adolescentes,
mesmo sem os pais, continuaram a vida, enfrentando os problemas e administrando
a casa e o negócio da família. Para dar um tom mais suave a história, foi
inserido a figura de um mascarado que entrega a Aurélia corações que a faz
sentir a presença da mãe. A ideia de trabalhar uma história com esta conotação,
foi trazer o telespectador para próximo das personagens.
O enredo se passa em uma cidadezinha
do interior, com um total de 16 personagens. A identidade de cada um foi
construída com muita intencionalidade, levando em consideração o papel a ser
desempenhado na história. A protagonista atuou com muita firmeza, conduzindo as
nuances que a história desempenhava.
Quanto as unidades dramáticas, cada
uma foi trabalhada dentro da ótica de um curta-metragem. As cenas não poderiam
ser longas, por isso, antes das falas serem efetivamente construídas a
roteirista descreveu cada cena do curta, para conferir se realmente caberiam
dentro do planejado.
1. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A escrita
de um roteiro audiovisual é sempre um desafio para quem se propõem a escrevê-lo.
O roteirista tem em mãos a possiblidade de criar janelas para novos mundos.
Escrever é um desafio em cada linha. Uma grande ideia pode vir a surgir em
instante, para isso, está atento é muito importante. O palco é sempre o próprio
ser humano e seus sonhos muitas vezes imaginários, suas dores e alegrias. Um
roteiro para ser bom precisa alcançar o seu público, ou seja, apostar em temas
que são universais é sempre mais viável para se alcançar aceitação do público.
A comunicação entre quem escreve com quem busca o material escrito – o público,
é a química do sucesso. O grande segredo é o diálogo entre o roteirista e o
telespectador.
2. REFERÊNCIAS
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro:
teoria e prática. São Paulo: Summus, 2009.
ROTEIRO DE CINEMA, 2021. Disponível em: http://www.roteirodecinema.com.br/manuais/documentochamadoroteiro.htm. Acesso em 23 de
mar. 2021.
FIELD, Syd. Manual do
roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico / Syd Field. - Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001
EU FAÇO CINE NA ESCOLA,
2019. Disponível em https://www.youtube.com/channel/UCR02H3kRwZHqgs54Tp2kew.
Acesso em 03 de mar. 2021.
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