última atualização 09-01-2023

Dicionário da Educação Audiovisual - ROTEIRO

Ademir Bandeira
bandeirabir@gmail.com
Gestor Escolar – E.T.I. Luiz Nunes de Oliveira/Palmas - TO
Idealizador do Projeto de Produção Audiovisual Eu faço cine na Escola
Professor de Língua e Literatura Espanhola
Mestre em Educação


1.      INTRODUÇÃO

Este artigo aborda as principais etapas da construção de um roteiro para a gravação de uma obra audiovisual. Com base em autores como Doc Comparato, Maciel e Syd Field, apresenta ao leitor fundamentos epistemológicos que dialogam e corroboram com aqueles que se colocam a produção de um roteiro.

Como experiência prática e objeto de análise, apresentamos ao leitor, parte do roteiro do curta-metragem, As cartas de Aurélia, produzido por uma estudante do 9° ano do Ensino Fundamental II, dentro do projeto de produção audiovisual estudantil “Eu faço cine na escola” sob a orientação de Ademir Bandeira (eu - autor deste artigo), além de tornar disponível o curta-metragem.

2.      

O ROTEIRO 

Para transformar uma ideia em uma obra audiovisual, precisa-se passar por algumas etapas fundamentais, dentre várias, o roteiro é o que se configura como parte inicial. Afim de dialogar sobre este tema, apresentamos neste artigo fundamentos metodológicos sobre a produção do roteiro.

 Como nasce uma produção audiovisual? é a partir do que é apresentado pelo roteirista que tudo acontece. A princípio precisamos entender que a pessoa que escreve o roteiro é um profissional da área ou alguém que tenha experiência. É dado a ele o nome de roteirista. Este profissional cria e descreve cada personagens da obra de maneira minuciosa, a ponto de criar um enredo que envolva o telespectador. Não lhe importando se é uma obra de grande, médio ou pequeno porte, o roteiro precisa ser construído para que o filme seja rodado.

O Roteiro é a forma escrita de qualquer audiovisual. É uma forma literária efêmera, pois só existe durante o tempo que leva para ser convertido em um produto audiovisual. No entanto, sem material escrito não se pode dizer nada, por isso um bom roteiro não é garantia de um bom filme, mas sem um roteiro não existe um bom filme. (Comparato, 2009, p. 27-28). 

Como apresenta o autor, o roteiro é a transição do imaginário criada pelo roteirista para a realidade interpretada pelos atores. De acordo com Syd Field (2001) o roteiro é uma história contada com imagens. Ele tem existência até a obra ser gravada e finalizada. Escrever roteiro é fazer perguntas e buscar respostas, apresentar espaço e argumentar. Sobre o aspecto de identidade, este documento tem algumas nomenclaturas, sendo denominado de texto descritivo, guia de filmagem ou ainda de transcrição de uma obra audiovisual.

Os americanos chamam-no “screenplay”, uma peça para a tela, de maneira a distingui-la da “simples play”, destinada ao placo. Os franceses o chamam de “scenario”, para designá-lo como um conjunto de cenas. E nós o chamamos de “roteiro”. E não é uma má palavra para o caso. Roteiro é uma rota não apenas determinada, mas "decupada", dividida, através da discriminação de seus diferentes estágios. Roteiro significa que saímos de um lugar, passamos por vários outros, para atingir um objetivo final. Ou seja: o roteiro tem começo, meio e fim - conforme Aristóteles observou na tragédia grega como uma necessidade essencial da expressão dramática. (MACIEL, 2010)

O jornalista, escritor, filósofo e roteirista Luiz Carlos Maciel apresenta algumas destas definições para chamar atenção quanto ao papel do roteiro. Ele o apresenta como uma seta a ser seguida. É um processo criativo que tem etapas bem definidas, que precisam ser seguidas para obter-se um resultado satisfatório.

O roteiro no processo audiovisual vai além do fato de contar uma história. O roteirista precisar apresentar aos profissionais que irão produzir a obra o máximo de elementos visuais e não visuais que precisarão estar presentes no projeto. Mas nos perguntamos, de onde nasce o roteiro e como é sua estrutura?

De acordo com Comparato (2009) o roteiro se divide em seis etapas até chegar à conclusão, sendo subdividido em ideia, conflito, personagem, ação dramática, tempo dramático e unidade dramática. Ainda de acordo com o mesmo autor, o roteiro precisa responder alguns pontos, como exposto abaixo:

(...) escrever um roteiro é fazer constantemente perguntas: A que (conflito), quem (personagem), onde (localização), qual (ação dramática), como (estrutura), (...) quanto (em que quantidade de tempo vai ocorrer) (Doc Comparato 2009, p. 168).

De acordo com o autor, se for respondido aos questionamentos acima tratado, há uma grande chance de o roteirista produzir um trabalho sólido, capaz de ser rodado por outra pessoa, que não seja o próprio profissional da escrita.

A IDEIA

O roteiro nasce a partir de uma ideia que o roteirista tem e deseja transformá-la em algo real dentro do imaginário cinematográfico. Esse é o ponto chave. Boas ideias afloram com muito conhecimento de mundo e percepção da realidade humana. O roteirista tem a liberdade de junta várias realidades e transformá-la em uma única. O grande desafio é fazer algum diretor transformar a realidade poética do roteirista em um filme, mas isso não é para ser discutido neste momento.

O CONFLITO

O conflito é uma das etapas mais importes dentro do roteiro, para não dizer a mais. A ideia apresenta o conflito que conduz a narrativa, o enredo. É o conflito que segura o telespectador até o final da obra. Um conflito fraco, sem identificação com a realidade humana, dificilmente fará com que o telespectador se identifica com a obra. A partir do conflite que o roteirista constrói a storyline - que é um pequeno texto, no máximo cinco linhas, mas que contém todas as informações essenciais da história.

OS/AS PERSONAGENS

As personagens dão vidas a história. Elas podem ser animadas ou inanimadas, como por exemplo uma pessoa ou bicho de pelúcia. O roteirista as apresenta no argumento e, é importante que cada uma seja muito bem construído, a ponto de ocupar o espaço dentro do enredo. De acordo com Syd Field (1999) o personagem precisa ser apresentado sob três viés básicos, o pessoal, o privado e o profissional.

 A personagem principal, a que convive diretamente com o conflito, deve ser intensa, pois é nela que o telespectador se identificará, garantindo o sucesso ou não da história. 

AÇÃO DRAMÁTICA

É na ação dramática que a roteirista estrutura as ações e como elas devem acontecer, sendo que o conflito precisa ser muito bem apresentado. Nesta etapa junta-se “o que”, “quem”, “onde” e “quando” ao “como”, para sinalizar a maneira que a história será narrada. Aqui é espinha dorsal da produção, ou seja, o roteirista precisa deixar esta seção muito bem explicada, pois ainda não há diálogos, apenas descrições de como as cenas serão intercaladas.

TEMPO DRAMÁTICO

Ao definir o tempo de cada cena, o roteirista abre espaço para a composição dos diálogos. Nesta etapa são organizadas e intercaladas as cenas e as falas. Mas ainda não se deve considerar o roteiro pronto. O tempo dramático precisa ser muito bem estudado para tornar a sequência suave. Diversas revisões serão necessárias para alcançar um produto final com o mínimo de desacertos possíveis.

UNIDADE DRAMÁTICA

            Ao chegar a esta etapa, a unidade dramática, o roteiro precisa estar pronto para ser rodado. Como geralmente o roteirista não é também o diretor, evitar ao máximo informações textuais duvidosas que possam confundir o diretor, torna o trabalho mais fácil de ser realizado. Quem se propõe a escrever, precisa entender que é um trabalho muito minucioso, cheio de detalhes, que precisa estar tudo dentro da mais perfeita harmonia. Uma boa dica para quem escreve é realizar boas leitura antes de entregar o texto ao solicitante.

3.      ANÁLISE DO ROTEIRO

Para exemplificar a nossa discussão, apresentarei parte do roteiro do curta-metragem As Cartas de Aurélia, gravado dentro do projeto de cinema escolar “Eu faço cine na escola”, sob minha orientação (Ademir Bandeira) com os estudantes do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) da Escola de Tempo Integral Luiz Nunes de Oliveira, situada em Buritirana, distrito de Palmas, capital do Tocantins.

O roteiro e o curta, As cartas de Aurélia, foram produzidos no ano de 2019 e submetido em festivais estudantis ao longo pais.


As cartas de Aurélia

(Roteiro de Maiely Kemily e Ademir Bandeira)

 

 CENA 01. NA PRAÇA DA CIDADE. EXTERNO. DIA

A família de Aurélia passeia na praça e brinca no balanço. A mãe de Aurélia a balança em um balanço de metal, seguido do pai, que realiza a mesma ação com o Eduardo, o irmão mais velho de Aurélia. Em seguida a família passeia de bicicletas no mesmo local. Esta cena as crianças têm entre 7 a 9 anos de idade.

CENA 02. NO QUARTO DE AURÉLIA. INTRNO. DIA

Aurélia, adolescente de 14 anos, cabelos longos, de estatura média e magra. Ela está dormindo em uma cama. No chão há uma pantufa de cor vermelha, livros em cima de uma mesa, uma boneca de pano. Ao lado da garota há um celular, que passados alguns segundos ele dispara despertador.

O despertador do celular toca, Aurélia: esqueci de tirar o despertador. Cancela o alarme e volta a dormir. A câmera faz um close na menina. Dorme por algum tempo, em seguida ela se desperta, senta na cama, fica alguns segundos pensativa, arruma os cabelos, calça a pantufa, pega o celular, olha se há alguma mensagem, depois sai do quarto em direção ao banheiro. No banheiro, ela abre o porta escova, pega o creme dental, adiciona a escova, liga a torneira e realiza a escovação, depois caminha para a cozinha e, para próximo a mesa e diz:

AURÉLIA

Hum.... Que cheirinho bom! Minha mãe já colocou a mesa do café da manhã!

Aurélia senta à mesa, pega um pedaço de bolo, coloca no prato. Em seguida diz:

Nossa que silêncio! Parece que não tem ninguém em casa. O Eduardo como sempre não acordou. Nem minha mãe não está cantarolando hoje. Que estranho!

Aurélia está levemente triste. Após comer um pedacinho do bolo, exclama:

AURÉLIA

Hum, que delícia!

 

EDUARDO

Eduardo, adolescente de 16 anos, magro, alto, meio mal humorado irmão de Aurélia. Ele se aproxima da mesa de café da manhã e cumprimenta a irmã:

E aí?

 

AURÉLIA

Oi, Edu, como sempre acordou tarde hoje, hein!?

EDUARDO

Não enche!

(O garoto está mal-humorado). Senta à mesa e começa a tomar o café da manhã. Depois pergunta em voz áspera:

 

Eduardo

Cadê minha mãe?

AURÉLIA

Não sei, quando acordei a casa estava em silêncio. Acho que ela saiu para comprar alguma coisa!

Os dois continuam tomando o café da manhã.

EDUARDO

Me passa a manteiga!

(Aurélia termina de tomar o café da manhã, levanta e vai para o quarto. Lá ela escolhe um livro e inicia a leitura).

 

CENA 03. NA SALA DE TV. INTRNO. NOITE.

Eduardo zapeia os canais da tv. A sala está escura, pois as lâmpadas estão desligadas.

EDUARDO

Que droga, não tem nada nesta TV.

Continua zapeando os canais. Aurélia abre a porta do quarto e vem para a sala e exclama:

AURÉLIA

Mas que escuridão é esta Eduardo? (Nervosa e senta no sofá, mas calmas relata). Eduardo, estou preocupada com minha mãe, faz um tempão que ela saiu de casa. Já são 19h e nada dela voltar!

 

EDUARDO

Você está preocupada demais, acalma, ela deve estar na cada de alguma amiga.

AURÉLIA

Não entendo como você consegue ficar tão calmo, Eduardo! Já é noite e nada de ela voltar.

 

EDUARDO

Não enche!

 Eduardo levanta e sai da sala esbravejando. Aurélia deita no sofá, pega o celular, zapeia-o até dormir.

 

 As cartas de Aurélia é um curta-metragem de 13’20s, que foi produzido por estudantes do 9° ano do Ensino Fundamental II, dentro do projeto Eu Faço Cine na Escola. O roteiro foi escrito por Maiely Kemily, uma adolescente de 14 anos de idade. Das 13 laudas, apresentamos as duas iniciais, a fim de analisarmos as 6 (seis) etapas de um roteiro, com base na teoria de Doc Comparato.

Como surgiu a ideia para o roteiro? Em sala de aula, a partir de uma dinâmica de contação de histórias, um dos estudantes comentou sobre a situação de dois irmãos que haviam perdido o pai em um acidente e a mãe repentinamente havia desaparecido. O motivo alegado foi que após a morte do esposo, a mãe dos adolescentes sumiu sem deixar nenhuma explicação. A narrativa chamou atenção da turma, que logo decidiu trabalhá-la como roteiro. Como já existia uma organização interna, os próprios estudantes se organizaram e então a “escritora da turma” iniciou a produção do roteiro.

O enredo do curta se estruturou na angústia vivenciada pelos irmãos a espera do retorno da mãe a casa. Os adolescentes, mesmo sem os pais, continuaram a vida, enfrentando os problemas e administrando a casa e o negócio da família. Para dar um tom mais suave a história, foi inserido a figura de um mascarado que entrega a Aurélia corações que a faz sentir a presença da mãe. A ideia de trabalhar uma história com esta conotação, foi trazer o telespectador para próximo das personagens.

O enredo se passa em uma cidadezinha do interior, com um total de 16 personagens. A identidade de cada um foi construída com muita intencionalidade, levando em consideração o papel a ser desempenhado na história. A protagonista atuou com muita firmeza, conduzindo as nuances que a história desempenhava.

Quanto as unidades dramáticas, cada uma foi trabalhada dentro da ótica de um curta-metragem. As cenas não poderiam ser longas, por isso, antes das falas serem efetivamente construídas a roteirista descreveu cada cena do curta, para conferir se realmente caberiam dentro do planejado.

 

1.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escrita de um roteiro audiovisual é sempre um desafio para quem se propõem a escrevê-lo. O roteirista tem em mãos a possiblidade de criar janelas para novos mundos. Escrever é um desafio em cada linha. Uma grande ideia pode vir a surgir em instante, para isso, está atento é muito importante. O palco é sempre o próprio ser humano e seus sonhos muitas vezes imaginários, suas dores e alegrias. Um roteiro para ser bom precisa alcançar o seu público, ou seja, apostar em temas que são universais é sempre mais viável para se alcançar aceitação do público. A comunicação entre quem escreve com quem busca o material escrito – o público, é a química do sucesso. O grande segredo é o diálogo entre o roteirista e o telespectador.


2.      REFERÊNCIAS

COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro: teoria e prática. São Paulo: Summus, 2009.

ROTEIRO DE CINEMA, 2021. Disponível em: http://www.roteirodecinema.com.br/manuais/documentochamadoroteiro.htm. Acesso em 23 de mar. 2021.

FIELD, Syd. Manual do roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico / Syd Field. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2001

EU FAÇO CINE NA ESCOLA, 2019. Disponível em https://www.youtube.com/channel/UCR02H3kRwZHqgs54Tp2kew. Acesso em 03 de mar. 2021.


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