Licenciada em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Especialista em Mídias na Educação (CINTED) e em Tutoria em EAD (FACED) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da rede pública municipal de São Leopoldo, desde 1988. Integra o Núcleo de Educação Audiovisual (NEA) da Secretaria Municipal de Educação. Professora tutora da Escola da Indústria Criativa da Unisinos desde 2012. E-mail: cristinadlemos@gmail.com
Mestra em Educação em Ciências: química da vida e saúde na UFRGS. Possui Pós-Graduação em Mídias na Educação (CINTED-UFRGS) e graduação em Biologia pela Unisinos. Professora da Educação Básica nas redes Estadual do Rio Grande do Sul e Municipal de São Leopoldo. Atuou na criação do NEA de São Leopoldo. E-mail: ludomingues_sl@yahoo.com.br
Capilés em tela: a experiência do cinema como potência para a aprendizagem
O cinema transborda o conteúdo programático. Ao viver no
cinema uma história que tangencia a sua própria, cada um descobre os sentidos
próprios, do lúdico ao intrigante, da memória à imaginação. É preciso colocar
algo de si para que esses sentidos aflorem. (M. A. Santos).
Este
capítulo apresenta uma breve retrospectiva da experiência de produção
cinematográfica em escolas da rede municipal de São Leopoldo e promove algumas
reflexões a partir do avanço desta prática em ambientes escolares e extramuros.
O principal objetivo é compartilhar essa vivência, resultado da ação docente
das autoras em diferentes espaços e cenários, construídos colaborativamente com
seus pares, no decorrer de mais de uma década.
Considerando o cinema na escola como possibilidade de
transformação pedagógica e como potencializador de aprendizagens, este trabalho
se propõe a relatar a trajetória de um grupo de professores que se abriu
à produção cinematográfica na escola como uma
metodologia para ir além do consumo/percepção/contemplação/observação de obras
cinematográficas e que, atualmente, constrói, junto
com seus estudantes, uma nova relação com o conhecimento. Assim, a
produção cinematográfica na escola se constitui em vivência coletiva, saberes
compartilhados e espaço de expressão e diálogo.
Alguns conceitos nortearam este percurso e permitem uma melhor
compreensão do recorte de que trata esta produção: os princípios e metodologias
que orientaram o percurso destes educadores e que, ao se sentirem desafiados,
escolheram caminhar em conjunto, consolidando um trabalho reconhecido entre
seus pares, e que ainda se dispõem a ir além, vislumbrando o potencial deste
cenário já constituído, na contribuição de uma educação emancipatória e
transformadora.
Cinema como potência de aprendizagem
Em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, existe uma escola
nova. As mudanças não estão em suas salas de aula, móveis ou em suas paredes.
Disciplinas, conteúdos e grades (curriculares ou físicas) permanecem
inabaláveis. Os saberes, porém, começam a circular em grandes áreas, cujos
limites se tocam, transpassam-se e se integram. Professores e estudantes
experimentam uma nova forma de interatividade e de relação pedagógica, pois
assim como o cinema pode quebrar a quarta parede para conversar diretamente com
o espectador, em São Leopoldo, professores foram capazes de inaugurar uma nova
forma de dialogar, mediar, compreender e desafiar seus estudantes a
compartilhar suas ideias e a construir aprendizagens de forma significativa e
lúdica, aberta e integrada aos alunos e seus desejos e propósitos, com a
inserção do cinema no processo de construção do conhecimento.
Para
Ramos e Boll (2019) o contexto de Cultura Digital, que democratiza o acesso e o
compartilhamento de informação e acomoda múltiplas linguagens, estabelece um
cenário que descortina variadas possibilidades de emprego da tecnologia nos
processos educativos, oferecendo colaboração e compartilhamento e promovendo a
autoria e protagonismo. Para as autoras, a escola inserida nesse contexto,
percebendo as alternativas que se apresentem, tem diante de si uma
possibilidade de fortalecer processos e dinamizar relações comunicativas, para
ir além da utilização da tecnologia como suporte, mas como possibilidade de
produção e criação:
Em um cenário comunicacional onde quase todo tipo de
informação pode circular, há de se pensar sobre, ao menos, dois aspectos: ou a
escola deixa de aproveitar esse cenário, cedendo espaço para outras intenções
na disseminação e visibilização da informação, ou ela toma posse de seu papel
de formadora de sujeitos mobilizadores, comunicadores e disseminadores do
conhecimento, da arte e de suas construções sob uma perspectiva ética e
estética de comunicação. (RAMOS; BOLL, 2019, p. 09)
Para
Lemos et al (2018), uma das
possibilidades que se apresentam potentes no espaço escolar é a produção
audiovisual. Segundo os autores, é importante que se vá além da utilização da
linguagem audiovisual como um recurso ilustrativo, mas que se considere a
potencialidade dessa linguagem:
É significativo, portanto,
sistematizar e viabilizar a construção coletiva e colaborativa de uma proposta
para a educação audiovisual, que assuma seu papel para a ação pedagógica
desenvolvida entre professor, aluno e comunidade, com apoio da tecnologia. Esse
processo amplia repertório de gêneros, estilos e narrativas que colocam o
cinema como forma de conhecimento e experiência de mundo. (LEMOS et al., 2018,
p. 01)
Migliorin (2010)
aponta o cinema como
um potencializador de aprendizagens:
Assim, o que está dado para se ensinar com o cinema é um
não-sei-o-quê de possibilidades. Ensinar com o cinema passa, justamente, por um
“não saber” das partes que se preparam para o acontecimento, ou seja, para a
invenção intempestiva consigo e com o outro, com as imagens, mundos e conexões
que o cinema nos permite, nos autoriza. Mas só o cinema pode isso? Certamente
não. Mas talvez nenhuma arte ou meio de expressão o possa com tanta
intensidade. (MIGLIORIN, 2010, p. 04)
Em sua experiência, Migliorin (2010) destaca o papel do cinema
como algo que precisa estar na escola, não para ensinar algo a quem não sabe,
mas sim para promover espaços de invenção coletiva e de compartilhamento,
catalisadores das potências sensíveis de um filme. Segundo Fantin (2007), o cinema
no contexto da mídia-educação é capaz de tudo isso:
O cinema, no contexto da mídia-educação, pode ser entendido a
partir de diversas dimensões – estéticas, cognitivas, sociais e psicológicas –
inter-relacionadas com o caráter instrumental, educar com e para o cinema, e
com o caráter de objeto temático educar sobre o cinema. Ou seja, a educação
pode abordar o cinema como instrumento, objeto de conhecimento, meio de
comunicação e meio de expressão de pensamentos e sentimentos. Considerar o
cinema como um meio significa que a atividade de contar histórias com imagens,
sons e movimentos pode atuar no âmbito da consciência do sujeito e no âmbito
sócio-político-cultural, configurando-se num formidável instrumento de
intervenção, de pesquisa, de comunicação, de educação e de fruição. No entanto,
considerar o cinema como um meio não significa reduzir seu potencial de objeto
sociocultural a uma ferramenta didático-pedagógica destituída de significação
social. A experiência estética possui um importante papel na construção de
significados que a obra propicia e os diferentes modos de assistir aos filmes
fazem com que estes atuem diferentemente conforme o contexto. (FANTIN, 2007, p. 01)
Para Fantin (2006), o cinema é um difusor do patrimônio cultural
da humanidade, revelador da realidade, constituído organicamente em diferentes
dimensões: cultural, cognitiva, estética, psicológica e social. Rivoltella
(apud FANTIN, 2006, p 75) reafirma o cinema como importante campo de
interlocução: “À luz das novas teorias interacionistas, o cinema e os meios em
geral constituem campos de interação simbólica em que os sujeitos constroem e
compartilham significados”. Segundo Ramos e Lemos (2018):
[...] é consenso que a escola deve buscar suportes que sejam
bem-sucedidos em promover a aprendizagem. As tecnologias da Informação e da
Comunicação, computadores, câmeras digitais, celulares, já estão incrementando
ações nas salas de aulas pelo país. Assim, aos professores estão postas
questões sobre como mediar e orientar o uso pedagógico desses recursos, para
que não sejam apenas algo que deva ser visto/ouvido/lido sem que se leve em
conta suas possibilidades na promoção do protagonismo dos sujeitos. (RAMOS; LEMOS, 2018, p. 149)
Sendo
a escola um espaço importante para a constituição da experiência comunicativa
do estudante, a potência de uma educação atravessada pela linguagem audiovisual
ultrapassa a perspectiva ilustrativa para a aprendizagem de algum conteúdo
formal. Ela abrange o desenvolvimento de habilidades comunicacionais e a produção
de estilos discursivos. Há potência no formato atrativo da linguagem
audiovisual que dialoga com um processo pedagógico permeado por autoria,
colaboração e comunicação. A escola encontra a possibilidade de articular a
convergência de diversos elementos como domínio da tecnologia, capacidade de
conexão e interlocução, utilização de recursos narrativos, potencial
artístico-criativo em uma produção audiovisual escolar.
É neste contexto que a experiência de professores da rede
municipal de São Leopoldo se torna relevante, pelo exemplo, pelos resultados
e, acima de tudo, pela trajetória de mais de uma década.
Primeiros passos
Com as tecnologias da informação e da comunicação cada vez mais
acessíveis e com o amplo domínio dos dispositivos digitais pelo público
estudantil, o caminho para a produção audiovisual nas escolas capilés[1]
começa a ser trilhado por professores precursores de uma metodologia que busca uma forma de aprender e de ensinar mais espontânea,
intuitiva, participativa e livre.
Jenkins (2009) apresenta três termos-chave que revelam
tendências para a educação, para a reforma midiática e para a cidadania
democrática: convergência, inteligência coletiva e participação. A escola é um
espaço institucional potente para este contexto:
Nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e
podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas
habilidades. A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa
de poder midiático. Estamos aprendendo a usar esse poder em nossas interações
diárias dentro da cultura da convergência. Neste momento, estamos usando esse
poder coletivo principalmente para fins recreativos, mas em breve estaremos
aplicando essas habilidades a propósitos mais sérios. (JENKINS, 2009, p. 28).
Esse
panorama é convergente, acomoda linguagens múltiplas, compartilhadas em
complexas redes interativas de comunicação, o que demanda um professor
articulador de ações colaborativas e de inteligência coletiva, termo que para
Levy (1999, p.17) “especifica não apenas a infraestrutura material da
comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela
abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo”.
A
conjuntura de relação com a informação apontada pelos autores requisita a
escola como um dos espaços de constituição dos usuários, espectadores, autores,
atores, colaboradores e comunicadores atuantes nesse cenário. É legítimo
pensar, então, na potência do encontro entre cinema e educação como uma das
perspectivas possíveis na ação pedagógica.
Além
dos avanços tecnológicos, outros fatores colaboram para que o cinema possa ser
visto como elemento propulsor da ação pedagógica, como fator desencadeador de
aprendizagens e desenvolvedor de competências essenciais para este momento de
transformação e disrupção.
Para
Lazzareti (2018), cinema e educação estabelecem uma relação intersticial, onde
o lugar não é específico nem de um, nem de outro, mas de um terceiro que se
estabelece dessa relação e torna possível flexibilizar algumas perspectivas
sobre a rigidez estrutural da escola:
O contágio, advindo do encontro e da exposição entre os dois
universos, por reverberar em cada um deles, desencadeando alterações e
readequações tanto no cinema, quanto na educação. No acontecimento dessa
relação, o interstício apresenta-se como um espaço e tempo para que as áreas
estejam uma em relação a outra, ou uma para a outra, sendo com a outra - o
cinema sendo com a educação e a educação sendo com o cinema. (LAZZARETI, 2018,
p.96)
No ano de 2009, durante a Mostra Pedagógica promovida pela Secretaria
Municipal de Educação (Smed) de São Leopoldo, foi realizada a primeira formação
voltada para a produção audiovisual, no formato de oficinas, tanto para
professores quanto para estudantes, numa perspectiva pedagógica do cinema em
sala de aula. A Vídeo
Oficina[2] foi a primeira formação desenvolvida pelo Núcleo de
Tecnologia Educacional Municipal de São Leopoldo (NTM) e os curtas
abordaram o tema da Semana Municipal da Educação - Ecocidadania:
Respeito a todas as formas de vida.
Em 2011 e
2012, o Gabinete da Primeira Dama, promoveu o Concurso de Vídeos da Campanha do
Agasalho, voltado para jovens estudantes da cidade. As premiações foram pagas
em dinheiro e em ingressos para espetáculos artísticos que circularam na
cidade, voltados para o público jovem. As produções foram disponibilizadas na
internet. Nessa mesma época, algumas escolas também já disponibilizavam suas
produções em sites de compartilhamento de vídeos, como o Youtube. Em
ambas as edições, os estudantes produziram curtas[3],
apresentando temas como solidariedade, responsabilidade social e cidadania.
Tais iniciativas começaram espontaneamente. Conforme Lemos e Ramos
(2018), em uma escola municipal, um grupo formado por estudantes e professores
mediadores dos Espaços Virtuais de Aprendizagem (EVAM) organizou uma produtora na escola: a Eh! Produções
(atualmente #EH_Produções). O primeiro projeto desenvolvido foi João Carlos: sonhar para acordar (2011)
– filme livremente inspirado no livro “Leonardo”, de Nelson Cruz (2007). O
curta dava vida à estátua mais famosa do Rio Grande do Sul, o Laçador, e
abordava o cotidiano do gaúcho, personalizado na figura de João Carlos D’Ávila
Paixão Côrtes. Esse filme participou do
Concurso Literário Editora Ática/Scipione, em 2011.
Desde 2011, a
#EH_Produções vem consolidando suas práticas, com
ações articuladas às mais diversas áreas de estudos e ampliou exponencialmente
sua produção no decorrer destes oito anos de atividades. Atualmente, a escola
se utiliza de comunicação multiplataforma, onde disponibiliza suas produções
digitais (galerias digitais, canais de vídeo, biblioteca virtual, entre outras)
em diversos sites de distribuição de conteúdo, estabelecendo diversos canais de
diálogo com o mundo, visibilizando suas construções.
Bem-vindo à cultura da convergência, onde velhas e novas mídias
colidem, onde a mídia corporativa e a mídia alternativa se cruzam, onde o poder
do produtor e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis. A
cultura da convergência é o futuro, mas está sendo moldada hoje. Os consumidores
terão mais poder na cultura da convergência – mas somente se reconhecerem e
utilizarem esse poder tanto como consumidores quanto como cidadãos, como plenos
participantes de nossa cultura. (JENKINS, 2009, p. 343).
Assim,
se estabelece a necessidade de espaços educativos
capazes de promover o processo de construção do conhecimento, permeado por uma
postura cidadã de relação com a informação, de relacionamentos humanos, de
ética e de reconhecimento dos espaços a serem ocupados. As iniciativas
destacadas neste relato inauguram na rede municipal ações voltadas a este
propósito, envolvendo comunicação e convergência de linguagens e narrativas.
O encontro e os desafios
Em 2014, vários professores da rede municipal já
reuniam suas turmas para produção e exibição de filmes, de acordo com suas
demandas e interesses. A partir disso, a Smed identificou cada uma das
iniciativas e as reuniu em um novo projeto, o Curta Capilé, que se organizou em
torno da formação para os professores em audiodescrição e,
posteriormente, foi feito o compartilhamento com os estudantes. As
temáticas sugeridas para as produções foram: acessibilidade, vulnerabilidade e
inclusão digital. O curso de audiodescrição foi promovido pela Fundação Liberato
e o Grupo Tagarelas, junto com a Smed. Todos os filmes produzidos com esse
recurso de acessibilidade foram exibidos nas salas do cinema da cidade.
A repercussão e a ressonância do Curta Capilé elevaram a produção
de filmes nas escolas municipais a um novo patamar. Um novo espaço havia sido
ocupado, novas práticas inauguradas e, o mais importante, um grupo de
educadores estava reunido, em torno de um novo modo de fazer educação na rede
municipal. Ações
anteriormente isoladas ou reduzidas a algumas instituições pertencentes à rede,
encontraram mais um espaço colaborativo e convergente:
Esse projeto visava qualificar professores para o uso de
tecnologias e para o trabalho interdisciplinar, de modo que produzissem
curtas-metragens, usando tecnologias que promovem a acessibilidade midiática.
Os resultados apontam para várias reflexões sobre o caráter social da
aprendizagem e sobre o modo como ela pode ser significativa tanto para
professores quanto para alunos. Com o engajamento mútuo de todos os participantes,
os curtas metragens, quando desenvolvidos no espaço escolar para um fim
pedagógico, tornam-se uma ferramenta didática importante para desenvolver
habilidades e competências, tanto de alunos quanto de docentes. (KERSCH; MARQUES, 2016, p.77)
O
projeto Curta Capilé oportunizou envolvimento e colaboração entre alunos e
professores, tornando-se uma referência no panorama da produção audiovisual do
município, constituído como um trabalho interdisciplinar numa comunidade de
prática, ou seja, um grupo com nova identidade, engajamento mútuo, um
empreendimento comum e um repertório compartilhado (KERSCH; MARQUES, 2016, p.
90).
Com este terreno fértil, em 2015, novas ações de popularização nas
escolas completam o cenário de consolidação do audiovisual como elemento chave
desta forma de
aprender. Surge então o Festival São Leo em Cine, que foi pensado originalmente
para as séries finais, mas em sua primeira
edição, já envolveu, inclusive, produções de séries iniciais e da Educação
Infantil. Em 2016, o Festival São Leo em Cine repetiu o sucesso, alcançando a
marca de 61 filmes de curta-metragem inscritos, com temática livre.
Criação do Núcleo de Educação Audiovisual
Os reflexos desta
sociedade cada vez mais conectada, capaz de consumir,
criar e compartilhar todo tipo de conteúdo, também são sentidos na escola. Em
2017, surge então uma proposta que instrumentaliza
professores e estudantes, de forma mais ampla e profunda: a criação do Núcleo
de Educação Audiovisual (NEA) e, na sequência, a proposta de criação da Casa de
Cinema Estudantil, conforme relata Campos et al (2018).
O NEA integra o setor pedagógico da Smed, segmento da Gestão da Educação
Básica, e atua na coordenação, organização e integração de ações que compõem a política pública de fomento à produção audiovisual na
escola.
O NEA apresenta como principal objetivo colaborar na promoção do
protagonismo e da autonomia do estudante, a partir do incentivo à criação e à
autoria, através da apropriação crítica da linguagem cinematográfica e suas
possibilidades de expressão artística e de inserção social e cultural.
Com isso, a promoção da realização de curtas-metragens vinculados
às práticas pedagógicas da escola pública e a valorização dos sujeitos
engajados nessa proposta se tornam elementos fundamentais do NEA para uma
construção que objetive uma concepção de educação voltada para as questões
tecnológicas no espaço escolar com um viés crítico, consciente e cidadão.
Como ação inicial, o NEA desenvolveu uma formação presencial e
outra na modalidade EAD, na plataforma Moodle. Foram alcançados 60 professores
e cerca de 200 alunos, com oficinas ministradas por profissionais da área do
cinema sobre introdução à linguagem cinematográfica e à produção
audiovisual.
Ainda em 2017, o Festival São Leo em Cine, em sua terceira edição,
recebeu 78 produções, de 28 escolas públicas da rede municipal, e envolveu em
torno de 2 mil pessoas, contabilizando estudantes, professores e comunidade. Conforme Campos et al (2018), o
Festival selecionou 60 curtas de ficção, três animações e quinze documentários.
As temáticas foram diversas e potentes, como a valorização da vida, ética, empatia, Direitos Humanos, bullying, depressão, questões de gênero
e violência, abandono, problemas da infância e adolescência.
Em 2018, foram 70 filmes enviados para o São Leo em Cine, 22 para
o Festival Minuto Mudo e doze no Desafio 194 segundos. Para o ano de 2019, o NEA
estabeleceu três eixos de atuação: formação de público para o cinema, exibição
de filmes independentes e produção de filmes
estudantis. A articulação entre estes eixos é realizada através da organização
de festivais abertos a diferentes públicos, integrantes de diversos espaços
educacionais, desde a educação infantil até o ensino médio, da rede pública ou
particular, com o envolvimento da comunidade escolar em geral, com abrangência
municipal, estadual ou nacional, de acordo com a proposta de cada festival.
Além dos festivais, o NEA tem se dedicado a duas outras ações:
Cine Debates, no formato de cineclube, e a oferta de oficinas com os estudantes
nas escolas. A participação nos debates e as oficinas são gratuitas, oferecidas
a todas as escolas e tem como objetivo
atender a demandas específicas de acordo com o público,
questões técnicas sobre a linguagem cinematográfica e temáticas emergentes. O
NEA também alimenta uma página na internet[4], com
notícias importantes, agenda, informações essenciais sobre os festivais e seus
respectivos editais, arquivo fotográfico e memória.
Os movimentos que ocorrem na sala de aula encontram ressonância
nas ações do NEA. Assim, quando os estudantes produziram curtas sobre pesquisas
científicas e sobre temas relevantes para a ciência, o diálogo entre os
sujeitos deste processo se ampliou. Desde 2018, o NEA promove o Festival Minuto
Mudo (Cine Motic) ancorado à Mostra de Tecnologia e Inovação com Ciências
(Motic), exibindo curtas com temáticas voltadas à pesquisa científica, como
tecnologias e sustentabilidade.
Assim como a sala de aula ficou pequena para os estudantes, as
ações integradoras do NEA, Smed, professores, estudantes e comunidade, acompanham
este movimento em espiral, que vem ultrapassando barreiras físicas e
institucionais, trazendo aos professores que atuam no NEA, seja na coordenação
na Smed ou como colaboradores nas escolas, o enorme desafio de assimilar a
convergência digital e promover aprendizagens significativas, para uma geração
que está imersa em informação, numa relação que deve necessariamente ser
mediada.
Cenários e destinos
Neste contexto hipermidiático convergente, a produção
disponibilizada potencializou a visibilidade das construções escolares. Os
filmes ultrapassaram os limites da cidade e já são assistidos e reconhecidos em
diversos locais do país e do mundo. A escola municipal que em 2011 inaugurou a #EH_Produções ampliou a participação para além dos festivais municipais e hoje
apresenta suas produções em eventos estudantis pelo país, recebendo
reconhecimento e destaque em eventos
internacionais. Na escola, o cinema (e a produção de conteúdo digital)
tornou-se um eixo articulador do fazer pedagógico da instituição, apresentado
nas diretrizes do seu projeto político pedagógico, que indica para o eixo
“Tecnologias educacionais: espaços e propostas pedagógicas” os seguintes
objetivos:
Fazer uso da tecnologia e seus dispositivos como potencializadores
da aprendizagem, de propostas libertadoras, de construção cidadã do
conhecimento, de disseminação da palavra dos sujeitos. Utilizar o contexto
digital para, muito além do acesso à informação, possibilitar reflexão,
discussão, produção e voz ao estudante e sua comunidade. (ESCOLA, 2018. p. 94).
Além
de participar de Mostras e Festivais locais, como o São Leo em Cine e Minuto
Mudo, os curtas produzidos pelos estudantes na #EH_Produções já foram convidados a participar de eventos no
Brasil e no Exterior, como o Festcine 31, Festival de Cinema Estudantil de
Guaíba e Festival Internacional de Cinema Estudantil de Santa Maria, Festival
Primeiro Filme, o FECEA, POADOC, CURTA 5 - Festival Estudantil de Curtas,
realizado pelo IFBA Campus Vitória da Conquista, I Mostra de Filmes de Pesquisa
em Educação em Ciências (vinculado ao XI ENPEC, realizado em Natal/RN),
Mostra Estudantil Joaquim Venâncio, no
Rio de Janeiro, e o FENACIES, no Uruguai.
Mostras
e Festivais são momentos de fruição, troca e interação, oportunidades para o
encontro e o diálogo entre estudantes e professores realizadores. Daí a
importância destes eventos, não por prêmios ou destaques, mas por se
constituírem momentos de divulgação, de interlocução e de aprendizagens.
Durante o I Seminário Audiovisual e Educação - Metodologias na
construção do conhecimento, em 2018, foi compartilhado o relato da produção
“Quando eu Crescer: movimentos em rede e aprendizagem colaborativa na produção
audiovisual escolar''. Na segunda edição do Seminário, foi apresentado o
“Projeto #EH_Produções: produção de conteúdo escolar em contexto de cultura
digital”.
Para a 8ª Mostra Audiovisual Estudantil Joaquim Venâncio,
realizada em 2018, no auditório do Museu da Vida, dentro do campus da Fundação
Oswaldo Cruz, dois curtas foram apresentados: “Celular ou pega-pega” e “O que
eu ganho com isso?''. Para a 9ª Mostra (2019), os curtas selecionados foram “O padrão” e “Contigo Ninguém Acaba”.
As
produções e os relatos apresentados permitiram,
sob a perspectiva dos estudantes, o
compartilhamento de questões atuais, cujas origens são suas vivências, anseios e desejos.
Patrimônio histórico, uso excessivo das telas, cidadania
e empatia, ética, saúde mental e distúrbios de
imagem foram algumas das temáticas de interesse, atravessadas por leituras e
pesquisas e narradas por meio da linguagem
cinematográfica.
Ao perceber a potência do cinema realizado por estudantes, talvez
de forma intuitiva e espontânea, os professores foram capazes de inaugurar um
movimento que ampliou a discussão sobre esse processo pedagógico para outras
esferas, dispostas a colaborar com a implantação
e a construção de políticas específicas para o audiovisual. Cada vez mais, a
comunidade capilé tem a chance de se reconhecer nas telas do cinema. Para cada
curta, uma bela história de aprendizagens, de protagonismo estudantil e de ação
pedagógica compartilhada em um grupo de educadores que aceitou aprender junto
com seus estudantes.
Este
relato evidencia a relevância de uma experiência que se funda nas salas de
aula, a partir da ação de um coletivo que se inspira na arte, no cinema, na
vida e na esperança de seus jovens alunos. É um capítulo de uma trajetória
conduzida por pessoas que escolheram a cultura da participação, do diálogo, da
interação e da conexão como elementos capazes de ampliar horizontes,
transformar realidades, promover a leitura e a possibilidade de ação no mundo.
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RAMOS, Luciana Domingues; BOLL, Cíntia Inês. Educação em contexto de cultura digital: potências pedagógicas e possibilidades de visibilidade para o conhecimento científico escolar. Tear: Revista de Educação, Ciência e Tecnologia, v. 8, p. 1-12, 2019. Disponível em: https://periodicos.ifrs.edu.br/index.php/tear/article/view/3570. Acesso em: 06 jan. 2021
RAMOS, Luciana Domingues; LEMOS, Cristina Domingues. Mídia e produção audiovisual: suportes para o ciclo de alfabetização. In: PEREIRA, Josias; CÂNDIDO, Eliane. São Leo em cine: a escola construindo sonhos. ERD Filmes Editora, 2018. E-book. Pelotas. Disponível em: <https://wp.ufpel.edu.br/producaodevideo/files/2018/09/S%C3%83O-LEO-EM-CINE_a-escola-construindo-sonhos.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2019.
[1] Segundo a historiadora Eloisa Capovilla, o termo capilé se refere aos nascidos na cidade de São Leopoldo, que herdaram o apelido devido ao famoso refresco de groselha, produzido por uma fábrica da cidade. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=PScAh-JtrLo>> Acesso em: ago. 2019.
[2] O vídeo Ação
e Reação foi realizado por estudantes durante a Vídeo Oficina e está disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=iPLezEzfOwY>. Acesso em: Jan. 2021.
[3]O vídeo Campanha do Agasalho foi realizado em 2011 e recebeu o primeiro prêmio neste Concurso. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Ab6ZWiCRwws>.
[4] Página do Núcleo de Educação Audiovisual. Disponível
em <https://nucleo-de-educacao-audiovisual.jimdosite.com/>. Acesso em:
Jan. 2021.
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