Sandra Regina de Freitas Amaral
Professora da Prefeitura Municipal de Campinas –
CEI Regente Feijó. Possui graduação em Pedagogia e especialização em Educação
Infantil: Alfabetização e Letramento. Integrante do Cineclube Regente/Cha
desde 2017 e bolsista do Projeto “Lugar-escola
e cinema: afetos e metamorfoses mútuas” [Fapesp 2019/18098-3].
Mauro Antonio Guari
Agente de educação infantil da Prefeitura Municipal de Campinas –
CEI Cha Il Sun. Possui graduação em Ciências Sociais e especialização
em Psicopedagogia Clínica e Educação Infantil. Integrante do Cineclube
Regente/Cha desde 2018 e bolsista do Projeto “Lugar-escola e cinema:
afetos e metamorfoses mútuas” [Fapesp 2019/18197-1].
Wenceslao Machado de Oliveira Jr
Professor no Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e
Arte e pesquisador no Laboratório de Estudos Audiovisuais-OLHO,
ambos da Faculdade de Educação/Unicamp. Coordenador do Projeto
“Lugar-escola e cinema: afetos e metamorfoses mútuas” [Fapesp 2018/09258-4].
“Tendo em
vista as especificidades desse cinema que tem emergido nas duas escolas [de
educação infantil onde foi fundado um cineclube escolar que acolheu um projeto
de extensão e pesquisa], e para melhor lidar com os gestos cinematográficos de
montar e editar, decidimos por encontrar para eles sentidos que nos auxiliem a
pensar não qualquer cinema, mas sim o cinema que temos produzido. Os sentidos
de montagem que aqui trazemos nos auxiliam também a pensar os processos de
aprendizagem do e com o cinema que têm sido engendrados nos
professores-cineastas, apostando no processo de montagem – aí incluída a edição
– como uma pedagogia do cinema, lembrando que “pensar uma pedagogia é
interrogar constantemente uma relação entre pedagogo e aprendiz – esse
espectador/estudante de cinema” (MIGLIORIN; BARROSO, 2019, p. 93). Nessa
pedagogia em que a montagem faz o papel de “mestre ignorante” (RANCIÈRE, 2015),
o espectador é convidado a participar da criação de sentidos para o filme
justamente onde ele, o filme, parece ganhar ou perder os sentidos: nas emendas
entre filmagens, imagens e os sons. É nesse sentido que
poderíamos
falar de uma pedagogia que parte de um princípio de igualdade, em que o lugar
do mestre não garante a emancipação ou o aprendizado do outro. O espectador [os
professores-cineastas] não pode esperar do mestre [o processo de montagem]
respostas prontas para o que fazer ou como fazer (MIGLIORIN; BARROSO, 2019, p.
104).
Sabendo
que, segundo Edgar-Hunt, Marland e Rawle (2013), “a montagem (do francês,
montage) é um termo geral para edição no cinema” e que “agora é mais
frequentemente usada para descrever um modo particular de edição intelectual ou
não realista, que cria significado a partir de um material não relacionado”
(EDGAR-HUNT; MARLAND; RAWLE, 2013, p. 162), e sabendo também que os termos
montagem e edição são territórios conceituais contestados tanto na linguagem
dos professores[1]
quanto na dos cineastas e pesquisadores do cinema (MIGLIORIN; PIPANO, 2019),
optamos por fazer uma ligeira distinção entre eles a partir de nosso próprio
contexto cinematográfico escolar.
Chamamos
de montagem os gestos eminentemente artísticos e realizados “na cabeça e na
tela”, e de edição, os gestos mais técnicos, realizados “no mouse, no teclado e
na tela”. Com isso, temos deixado a palavra edição reservada ao conjunto de
gestos do processo de montagem que se realiza através de recursos digitais
presentes nos chamados programas de edição audiovisual.
Fizemos
isso por dois motivos: um deles é o uso comum do verbo editar, entre
professoras e professores, para designar os saberes relativos aos programas de
edição digital utilizados para controlar (e transformar) os sentidos das
imagens e sons de um filme. O outro é que em muitas de nossas experimentações
com o cinema fizemos filmes a partir de “simples montagens”, ou seja, somente
juntávamos duas ou mais pequenas filmagens, exercitando essa inteligência
típica do cinema que é juntar filmagens para produzir outros sentidos. Por isso
as aspas na expressão “simples montagens”, pois não há nada de simples nisso.
Buscar fazer emergir sentidos outros nas imagens a partir da “simples”
colocação de uma após a outra é um aprendizado central no cinema e articulador
de sua pedagogia, a qual subjaz aos processos de montagem (e edição) [...].
Entendemos,
portanto, que no Cineclube Regente/Cha têm ocorrido dois processos de
experimentação e aprendizagem que, apesar de simultâneos, se fazem de maneira
a-paralela (DELEUZE; GUATTARI, 1997) e seguem caminhos distintos: o de montar e
o de editar. O primeiro, mais amplo, percorre mais diretamente o universo da
arte (e) do cinema, com suas infinitas possibilidades de criação de sentidos, e
o último, mais restrito, percorre o universo das tecnologias e possibilidades
dos programas de edição digital para dar sentido “nas telas” ao que se montou
“na cabeça”.
Dessa forma, podemos dizer que, em
nossas experiências com o cinema na educação infantil, a montagem, via de
regra, antecede a edição. No entanto, sabemos que a separação entre ambas, no
processo mesmo de criação de um filme, é praticamente impossível.
Tendo em vista a complexidade do que
tivemos que simplificar, gostaríamos que leitores e leitoras se lembrassem de
ler essas distinções entre montagem e edição tendo no pensamento que, mesmo
para nós, “não é bem assim”. Há sempre algum momento, algum filme que coloca
essas distinções em suspenso.”
[Trecho
extraído do artigo “Coisas inventadas: montagem e edição em um cineclube escolar”, escrito por Sandra Regina de Freitas Amaral[2], Mauro Antonio Guari[3]
e Wenceslao Machado de Oliveira Jr[4], publicado na Revista
do LAV em 2021 e acessível neste link: https://periodicos.ufsm.br/revislav/article/view/61968]
Referências filmografias:
FiOs TrAmAdOs Ao AcAsO
(fragmentos de falas de mulheres
trabalhadoras nas escolas foram montados sobre as imagens de dois
planos-sequência filmados por crianças em suas andanças pelo parque das
escolas)
“Ó” de Ó eu Mauro
(compõem o filme um conjunto de
filmagens das crianças brincando no parque das escolas, montadas com filmagens
de um grande jequitibá que vive ali e filmagens da abertura do baú de fotos
antigas que fica na biblioteca das escolas]
Referências bibliográficas:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, F. Mil Platôs. Vol. 4. São Paulo: Editora
34, 1997.
EDGAR-HUNT, Robert; MARLAND, John; RAWLE,
Steven. A linguagem do cinema. Porto Alegre: Bookman, 2013.
MIGLIORIN, Cezar; BARROSO, Elianne Ivo. Pedagogias do
cinema, montagem. In: MIGLIORIN, Cezar; PIPANO, Isaac. Cinema de brincar.
Belo Horizonte: Relicário, 2019.
MIGLIORIN, Cezar; PIPANO, Isaac. Cinema de brincar.
Belo Horizonte: Relicário, 2019.
RANCIÈRE,
Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual.
Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
[1] Edição e montagem são duas palavras usadas quase como sinônimas para a grande maioria das professoras e professores que conhecemos, mesmo para aquelas/es que fazem filmes.
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