última atualização 09-01-2023

Dicionário da Educação Audiovisual - Montagem/Edição

 

Sandra Regina de Freitas Amaral

Professora da Prefeitura Municipal de Campinas –
 CEI Regente Feijó. Possui graduação em Pedagogia e especialização em Educação
Infantil:  Alfabetização e Letramento. Integrante do Cineclube Regente/Cha
desde 2017 e bolsista do Projeto “Lugar-escola
 e cinema: afetos e metamorfoses mútuas” [Fapesp 
2019/18098-3].


Mauro Antonio Guari

Agente de educação infantil da Prefeitura Municipal de Campinas –
CEI Cha Il Sun. Possui graduação em Ciências Sociais e especialização
em Psicopedagogia Clínica e Educação Infantil. Integrante do Cineclube
Regente/Cha desde 2018 e bolsista do Projeto “Lugar-escola e cinema:
 afetos e metamorfoses mútuas” [Fapesp 
2019/18197-1].


Wenceslao Machado de Oliveira Jr

Professor no Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e
 Arte e pesquisador no Laboratório de Estudos Audiovisuais-OLHO,
ambos da Faculdade de Educação/Unicamp. Coordenador do Projeto
 “Lugar-escola e cinema: afetos e metamorfoses mútuas” [Fapesp 
2018/09258-4].



“Tendo em vista as especificidades desse cinema que tem emergido nas duas escolas [de educação infantil onde foi fundado um cineclube escolar que acolheu um projeto de extensão e pesquisa], e para melhor lidar com os gestos cinematográficos de montar e editar, decidimos por encontrar para eles sentidos que nos auxiliem a pensar não qualquer cinema, mas sim o cinema que temos produzido. Os sentidos de montagem que aqui trazemos nos auxiliam também a pensar os processos de aprendizagem do e com o cinema que têm sido engendrados nos professores-cineastas, apostando no processo de montagem – aí incluída a edição – como uma pedagogia do cinema, lembrando que “pensar uma pedagogia é interrogar constantemente uma relação entre pedagogo e aprendiz – esse espectador/estudante de cinema” (MIGLIORIN; BARROSO, 2019, p. 93). Nessa pedagogia em que a montagem faz o papel de “mestre ignorante” (RANCIÈRE, 2015), o espectador é convidado a participar da criação de sentidos para o filme justamente onde ele, o filme, parece ganhar ou perder os sentidos: nas emendas entre filmagens, imagens e os sons. É nesse sentido que

poderíamos falar de uma pedagogia que parte de um princípio de igualdade, em que o lugar do mestre não garante a emancipação ou o aprendizado do outro. O espectador [os professores-cineastas] não pode esperar do mestre [o processo de montagem] respostas prontas para o que fazer ou como fazer (MIGLIORIN; BARROSO, 2019, p. 104).

 

Sabendo que, segundo Edgar-Hunt, Marland e Rawle (2013), “a montagem (do francês, montage) é um termo geral para edição no cinema” e que “agora é mais frequentemente usada para descrever um modo particular de edição intelectual ou não realista, que cria significado a partir de um material não relacionado” (EDGAR-HUNT; MARLAND; RAWLE, 2013, p. 162), e sabendo também que os termos montagem e edição são territórios conceituais contestados tanto na linguagem dos professores[1] quanto na dos cineastas e pesquisadores do cinema (MIGLIORIN; PIPANO, 2019), optamos por fazer uma ligeira distinção entre eles a partir de nosso próprio contexto cinematográfico escolar.

Chamamos de montagem os gestos eminentemente artísticos e realizados “na cabeça e na tela”, e de edição, os gestos mais técnicos, realizados “no mouse, no teclado e na tela”. Com isso, temos deixado a palavra edição reservada ao conjunto de gestos do processo de montagem que se realiza através de recursos digitais presentes nos chamados programas de edição audiovisual.

Fizemos isso por dois motivos: um deles é o uso comum do verbo editar, entre professoras e professores, para designar os saberes relativos aos programas de edição digital utilizados para controlar (e transformar) os sentidos das imagens e sons de um filme. O outro é que em muitas de nossas experimentações com o cinema fizemos filmes a partir de “simples montagens”, ou seja, somente juntávamos duas ou mais pequenas filmagens, exercitando essa inteligência típica do cinema que é juntar filmagens para produzir outros sentidos. Por isso as aspas na expressão “simples montagens”, pois não há nada de simples nisso. Buscar fazer emergir sentidos outros nas imagens a partir da “simples” colocação de uma após a outra é um aprendizado central no cinema e articulador de sua pedagogia, a qual subjaz aos processos de montagem (e edição) [...].

Entendemos, portanto, que no Cineclube Regente/Cha têm ocorrido dois processos de experimentação e aprendizagem que, apesar de simultâneos, se fazem de maneira a-paralela (DELEUZE; GUATTARI, 1997) e seguem caminhos distintos: o de montar e o de editar. O primeiro, mais amplo, percorre mais diretamente o universo da arte (e) do cinema, com suas infinitas possibilidades de criação de sentidos, e o último, mais restrito, percorre o universo das tecnologias e possibilidades dos programas de edição digital para dar sentido “nas telas” ao que se montou “na cabeça”.

Dessa forma, podemos dizer que, em nossas experiências com o cinema na educação infantil, a montagem, via de regra, antecede a edição. No entanto, sabemos que a separação entre ambas, no processo mesmo de criação de um filme, é praticamente impossível.

Tendo em vista a complexidade do que tivemos que simplificar, gostaríamos que leitores e leitoras se lembrassem de ler essas distinções entre montagem e edição tendo no pensamento que, mesmo para nós, “não é bem assim”. Há sempre algum momento, algum filme que coloca essas distinções em suspenso.”

 

[Trecho extraído do artigo “Coisas inventadas: montagem e edição em um cineclube escolar”, escrito por Sandra Regina de Freitas Amaral[2], Mauro Antonio Guari[3] e Wenceslao Machado de Oliveira Jr[4], publicado na Revista do LAV em 2021 e acessível neste link: https://periodicos.ufsm.br/revislav/article/view/61968]

 

Referências filmografias:

FiOs TrAmAdOs Ao AcAsO

(fragmentos de falas de mulheres trabalhadoras nas escolas foram montados sobre as imagens de dois planos-sequência filmados por crianças em suas andanças pelo parque das escolas)

“Ó” de Ó eu Mauro

(compõem o filme um conjunto de filmagens das crianças brincando no parque das escolas, montadas com filmagens de um grande jequitibá que vive ali e filmagens da abertura do baú de fotos antigas que fica na biblioteca das escolas]

 

Referências bibliográficas:

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, F. Mil Platôs. Vol. 4. São Paulo: Editora 34, 1997.

EDGAR-HUNT, Robert; MARLAND, John; RAWLE, Steven. A linguagem do cinema. Porto Alegre: Bookman, 2013.

MIGLIORIN, Cezar; BARROSO, Elianne Ivo. Pedagogias do cinema, montagem. In: MIGLIORIN, Cezar; PIPANO, Isaac. Cinema de brincar. Belo Horizonte: Relicário, 2019.

MIGLIORIN, Cezar; PIPANO, Isaac. Cinema de brincar. Belo Horizonte: Relicário, 2019.

RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

 



[1] Edição e montagem são duas palavras usadas quase como sinônimas para a grande maioria das professoras e professores que conhecemos, mesmo para aquelas/es que fazem filmes.



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