última atualização 09-01-2023

Dicionário da Educação Audiovisual - AUTONOMIA


Cristina Domingues Lemos

Professora tutora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Coordenadora do Audiovisual na Secretaria de Cultura e Relações Internacionais e integrante do Núcleo de Educação Audiovisual da SMED São Leopoldo, professora integrante do Projeto #EH_Produções na EMEF Prof. João Carlos Von Hohendorff até 2019.

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Para Rubem Alves (2016), o professor não deveria se preocupar em “ensinar coisas”, pois as coisas já em estão na internet, nos livros e em outros lugares. O professor deveria se preocupar, então, em despertar nos alunos a curiosidade e a alegria de pensar.

A busca por esta autonomia para a descoberta, para a busca de soluções de problemas reais e para as escolhas de vida, recebe atenção especial em documentos escolares normativos, políticos e pedagógicos, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os Planos Políticos Pedagógicos (PPP) escolares.

A autonomia é um conceito transdisciplinar, que se reflete em tópicos como o desenvolvimento de competências da Educação e Formação Integral, e está presente no contexto escolar e acadêmico, pois questões sobre o que aprender, por que e de que forma aprender, modernamente, estão direcionadas para uma aprendizagem ativa, colaborativa e em rede.

Segundo a BNCC:

No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de informações. Requer o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as diversidades. (BRASIL, 2018).

 

A BNCC se constitui como um texto normativo, que pretende estabelecer “conhecimentos, competências e habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica” (BRASIL, 2018, p. 1). Aliada aos princípios fundadores das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a BNCC busca conduzir o estudante à uma formação humana integral, alicerçada na ação cidadã e no compromisso democrático com a sociedade.

A autonomia recebe destaque em duas Competências Gerais da Educação Básica presentes na BNCC:

- Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.

- Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários, com a amplitude e a profundidade necessárias para a busca de respostas. (BRASIL, 2018).


Para compreender a importância da autonomia para a escola, é preciso lançar luzes sobre a experiência da aprendizagem, compartilhada por professores e estudantes, no cotidiano escolar.

Paulo Freire (2001), em sua obra Pedagogia da Autonomia, reflete sobre a prática educativa e os saberes inerentes à ação pedagógica. Segundo Freire (2001, p. 19): “Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos éticos”. Freire destaca que a autonomia deve ser um atributo essencial também ao professor. A curiosidade e a busca por perguntas e respostas são exigências da docência, firmadas na aquiescência da identidade cultural e na reflexão crítica, através de uma postura ética e estética ao movimentar-se no mundo, de forma responsável e transformadora.

Esta postura docente, cujos princípios estão baseados na autonomia, na proatividade e na cooperação, rompe com a educação bancária, duramente criticada por Paulo Freire, pois o aluno definitivamente deixa de ser simples repositório de informações, para ascender à condição de sujeito da aprendizagem e construtor de conhecimentos.

Paulo Freire (2001) contrapõe a autonomia – que é a condição socio histórica de uma pessoa que é capaz de se autodeterminar, emancipada das opressões que restringem ou anulam sua liberdade – à heteronomia – que é a condição daquele que é determinado pela vontade do outro.  Assim, o processo educacional precisa objetivar a autonomia, pois em uma sociedade que apresenta inúmeras situações de opressão, a autonomia garante que se possa compreender, criticar e transformar a sociedade.

Freire (2001) descreve que há um movimento dialético entre ação e reflexão, teoria e prática, em um processo constante de educar-se, entre alunos e professores, conscientes de sua inconclusa formação, e fundado na autonomia dos sujeitos. Diz Freire (2001, p. 67): “A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber.”

A escola é palco de significativas transformações e precisa acompanhar a sociedade. Cotidianamente desafia professores e estudantes a experimentarem aprendizagens significativas, em um contexto repleto de inovações tecnológicas e de inúmeras potencialidades e demandas, geradas pela cibercultura e possibilidades de convergência digital.

Pierre Lévy (1999) parte da observação das mudanças na relação com o saber e evidencia os impactos da cibercultura para o conhecimento humano, indicando novos paradigmas para a educação. Lévy prevê dois importantes deslocamentos no modelo educacional: a adaptação aos novos dispositivos, com o espírito do aprendizado aberto e a distância, e o reconhecimento aos saberes constituídos pelos indivíduos, inclusive os não-acadêmicos.

Em ambas os recortes, a autonomia é competência essencial, tanto para professores quanto para estudantes, pois o contexto prevê “uma situação de troca generalizada de saberes, [...] de reconhecimento autogerenciado, móvel e contextual das competências.” (LÉVY, 1999, p. 172).

Ainda que as competências e diretrizes educacionais nacionais sejam apresentadas como comuns, a escolha dos currículos são diversas e, por isso, é preciso levar em conta o entendimento pleno do contexto de cultura digital e convergência midiática em que estão imersos, professores, alunos e gestores, para realizarem suas escolhas de forma autônoma.

Segundo Jenkins (2006), é preciso levar em conta três conceitos chave para uma educação em tempos de cibercultura: convergência, inteligência coletiva e participação. Para o autor, os sujeitos precisam ser constituídos para além do consumo e devem assumir o papel de protagonistas, produtores e agentes no cenário sociocultural. O cenário exige professores e estudantes confiantes de suas potencialidades, autônomos e capazes de desenvolverem estratégias próprias de decisão e de ação.

Lévy (1999) aponta as redes digitais interativas e o aprendizado cooperativo como potências nestes tempos de transformação da relação com o saber. A inteligência coletiva e comunidades virtuais modificam qualitativamente os processos de aprendizado, tendo em vista a presença de redes interativas e suportes digitais que prolongam a memória, a percepção e a imaginação e impulsionam a colaboração e a cooperação.

Desta forma, a autonomia e a autoria são vistas a partir da perspectiva da aprendizagem interativa em rede, inaugurando novas relações pedagógicas, mediadas através do diálogo, da compreensão dos desafios, do compartilhamento de ideias e da construção de aprendizagens significativas, integrada aos desejos e propósitos autênticos dos estudantes.

A convergência das mídias, a interatividade, a educação digital, a inteligência coletiva, a produção de conteúdo e a fluência digital desafiam os educadores a, cada vez mais, contribuírem para uma educação para a autonomia, a liberdade e a emancipação. As transformações culturais não permitem mais uma escola conteudista, ou baseada na memorização, é tempo de educar para a autonomia, a colaboração e a criatividade. Como disse Paulo Freire (1996), a escola precisa ser refeita para estar à altura do seu tempo.

 

Referências bibliográficas

ALVES, Rubem. O objetivo da educação é criar a alegria de pensar. Funiber, Bahia. Disponível em: <https://blogs.funiber.org/pt/formacao-professores/2016/09/20/funiber-rubem-alves-pensar>. Acesso em jun. 2021.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. 600 p. Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso em: 26 jun 2021.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra (Coleção Leitura), 1996.

FREIRE, P. Diálogos impertinentes: Freire e Papert - O futuro da escola. São Paulo: TV PUC, 1996. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=41bUEyS0sFg>. Acesso em: 20 jun. 2021.

JENKINS, H. et al. Confronting the Challenges of Participatory Culture: Media Education for the 21st Century. Chicago: Macarthur Foundation, 2006. Disponível em: <https://www.macfound.org/media/article_pdfs/JENKINS_WHITE_PAPER.PDF>. Acesso em: 24 maio 2019.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Ed. 34. 1999. (Coleção TRANS).

 


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