Professora tutora na Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Coordenadora do Audiovisual na Secretaria de
Cultura e Relações Internacionais e integrante do Núcleo de Educação
Audiovisual da SMED São Leopoldo, professora integrante do Projeto
#EH_Produções na EMEF Prof. João Carlos Von Hohendorff até 2019.
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Para Rubem Alves
(2016), o professor não deveria se preocupar em “ensinar coisas”, pois as
coisas já em estão na internet, nos livros e em outros lugares. O professor
deveria se preocupar, então, em despertar nos alunos a curiosidade e a alegria
de pensar.
A busca por esta
autonomia para a descoberta, para a busca de soluções de problemas reais e para
as escolhas de vida, recebe atenção especial em documentos escolares normativos,
políticos e pedagógicos, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os
Planos Políticos Pedagógicos (PPP) escolares.
A autonomia é um
conceito transdisciplinar, que se reflete em tópicos como o desenvolvimento de
competências da Educação e Formação Integral, e está presente no contexto
escolar e acadêmico, pois questões sobre o que aprender, por que e de que forma
aprender, modernamente, estão direcionadas para uma aprendizagem ativa,
colaborativa e em rede.
Segundo a BNCC:
No
novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural,
comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo,
colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do que o
acúmulo de informações. Requer o desenvolvimento de competências para aprender
a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com
discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar
conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser
proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver
e aprender com as diferenças e as diversidades. (BRASIL,
2018).
A BNCC se
constitui como um texto normativo, que pretende estabelecer “conhecimentos,
competências e habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao
longo da escolaridade básica” (BRASIL, 2018, p. 1). Aliada aos princípios
fundadores das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a BNCC
busca conduzir o estudante à uma formação humana integral, alicerçada na ação
cidadã e no compromisso democrático com a sociedade.
A autonomia recebe
destaque em duas Competências Gerais da Educação Básica presentes na BNCC:
-
Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias
do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao
seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e
responsabilidade.
-
Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,
resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários, com a amplitude e a profundidade
necessárias para a busca de respostas. (BRASIL, 2018).
Para compreender a
importância da autonomia para a escola, é preciso lançar luzes sobre a
experiência da aprendizagem, compartilhada por professores e estudantes, no
cotidiano escolar.
Paulo Freire (2001), em sua obra Pedagogia da Autonomia, reflete sobre a prática
educativa e os saberes inerentes à ação pedagógica. Segundo Freire (2001, p.
19): “Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da ruptura,
da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos
como sujeitos éticos”. Freire destaca que a autonomia deve ser um atributo essencial
também ao professor. A curiosidade e a busca por perguntas e respostas são
exigências da docência, firmadas na aquiescência da identidade cultural e na
reflexão crítica, através de uma postura ética e estética ao movimentar-se no
mundo, de forma responsável e transformadora.
Esta postura docente, cujos princípios estão baseados na autonomia, na proatividade
e na cooperação, rompe com a educação bancária, duramente criticada por Paulo
Freire, pois o aluno definitivamente deixa de ser simples repositório de
informações, para ascender à condição de sujeito da aprendizagem e construtor
de conhecimentos.
Paulo Freire (2001) contrapõe a autonomia – que é a condição socio
histórica de uma pessoa que é capaz de se autodeterminar, emancipada das
opressões que restringem ou anulam sua liberdade – à heteronomia – que é a
condição daquele que é determinado pela vontade do outro. Assim, o processo educacional precisa
objetivar a autonomia, pois em uma sociedade que apresenta inúmeras situações
de opressão, a autonomia garante que se possa compreender, criticar e
transformar a sociedade.
Freire (2001) descreve que há um movimento dialético entre ação e reflexão,
teoria e prática, em um processo constante de educar-se, entre alunos e
professores, conscientes de sua inconclusa formação, e fundado na autonomia dos
sujeitos. Diz Freire (2001, p. 67): “A boniteza de ser gente se acha, entre
outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo
respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em
tudo coerente com este saber.”
A escola é palco de significativas transformações e precisa acompanhar a
sociedade. Cotidianamente desafia professores e estudantes a experimentarem
aprendizagens significativas, em um contexto repleto de inovações tecnológicas
e de inúmeras potencialidades e demandas, geradas pela cibercultura e
possibilidades de convergência digital.
Pierre Lévy (1999) parte da observação das mudanças na relação com o saber
e evidencia os impactos da cibercultura para o conhecimento humano, indicando
novos paradigmas para a educação. Lévy prevê dois importantes deslocamentos no
modelo educacional: a adaptação aos novos dispositivos, com o espírito do aprendizado
aberto e a distância, e o reconhecimento aos saberes constituídos pelos
indivíduos, inclusive os não-acadêmicos.
Em ambas os recortes, a autonomia é competência essencial, tanto para
professores quanto para estudantes, pois o contexto prevê “uma situação de
troca generalizada de saberes, [...] de reconhecimento autogerenciado, móvel e
contextual das competências.” (LÉVY, 1999, p. 172).
Ainda que as competências e diretrizes educacionais nacionais sejam
apresentadas como comuns, a escolha dos currículos são diversas e, por isso, é
preciso levar em conta o entendimento pleno do contexto de cultura digital e
convergência midiática em que estão imersos, professores, alunos e gestores,
para realizarem suas escolhas de forma autônoma.
Segundo Jenkins (2006), é preciso levar em conta três conceitos chave para
uma educação em tempos de cibercultura: convergência, inteligência coletiva e
participação. Para o autor, os sujeitos precisam ser constituídos para além do
consumo e devem assumir o papel de protagonistas, produtores e agentes no
cenário sociocultural. O cenário exige
professores e estudantes confiantes de suas potencialidades, autônomos e capazes
de desenvolverem estratégias próprias de decisão e de ação.
Lévy
(1999) aponta as redes digitais interativas e o aprendizado cooperativo como
potências nestes tempos de transformação da relação com o saber. A inteligência
coletiva e comunidades virtuais modificam qualitativamente os processos de
aprendizado, tendo em vista a presença de redes interativas e suportes digitais
que prolongam a memória, a percepção e a imaginação e impulsionam a colaboração
e a cooperação.
Desta
forma, a autonomia e a autoria são vistas a partir da perspectiva da aprendizagem
interativa em rede, inaugurando novas relações pedagógicas, mediadas
através do diálogo, da compreensão dos desafios, do compartilhamento de ideias
e da construção de aprendizagens significativas, integrada aos desejos e
propósitos autênticos dos estudantes.
A convergência das
mídias, a interatividade, a educação digital, a inteligência coletiva, a
produção de conteúdo e a fluência digital desafiam os educadores a, cada vez
mais, contribuírem para uma educação para a autonomia, a liberdade e a
emancipação. As transformações culturais não permitem mais uma escola
conteudista, ou baseada na memorização, é tempo de educar para a autonomia, a
colaboração e a criatividade. Como disse Paulo Freire (1996), a escola precisa
ser refeita para estar à altura do seu tempo.
Referências
bibliográficas
ALVES,
Rubem. O objetivo da educação é criar a alegria de pensar. Funiber,
Bahia. Disponível em: <https://blogs.funiber.org/pt/formacao-professores/2016/09/20/funiber-rubem-alves-pensar>. Acesso em jun. 2021.
BRASIL.
Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. 600 p.
Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso em: 26 jun 2021.
FREIRE,
Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra (Coleção Leitura), 1996.
FREIRE, P.
Diálogos impertinentes: Freire e Papert - O futuro da escola. São Paulo: TV
PUC, 1996. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=41bUEyS0sFg>. Acesso em: 20 jun. 2021.
JENKINS, H.
et al. Confronting the Challenges of Participatory Culture: Media Education for
the 21st Century. Chicago: Macarthur Foundation, 2006. Disponível em: <https://www.macfound.org/media/article_pdfs/JENKINS_WHITE_PAPER.PDF>. Acesso em: 24 maio 2019.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Ed. 34. 1999. (Coleção TRANS).
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