última atualização 09-01-2023

Dicionário da Educação Audiovisual - Letramento Cinematográfico

 

Alcione da Silva Santos

Doutor em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de Campina Grande (2011), possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Campina Grande (2005) e em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (1999). É professor de Língua Portuguesa do quadro efetivo da Secretaria da Educação do estado da Paraíba, exerce a função de Professor Da Educação Básica 3 na ECIT Estadual Ministro José Américo de Almeida em Areia - PB. Desenvolve pesquisas na área de Formação docente, letramento e Audiovisual.

 


Maria do Socorro Oliveira

  

Doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1994). Realizou pós-doutorado na Universidade Estadual de Campinas (2006-2007) sob a supervisão da Profa. Dra. Angela Bustos Kleiman e na UNIPE – AR/Buenos Aires (2020) sob a supervisão da Profa. Dra. Paula Carlino. É professora Titular das áreas de Linguística e Linguística Aplicada e líder do grupo de pesquisa 'Letramento e Etnografia' na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atua no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) e no Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS). Desenvolve pesquisas nas seguintes áreas de estudo: letramentos, formação docente e gênero discursivo. 

 

Para melhor definir o presente verbete, compreendemos ser necessário revisar o conceito do termo letramento, em seguida explicitar de que forma o adjetivo cinematográfico se soma a ele e, por fim, demonstrar a relevância que ele adquire no contexto atual da educação brasileira. 

O termo letramento designa os usos de leitura e escrita culturalmente aceitos em uma dada sociedade. Tais usos, por sua vez, constituem um “conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos para fins específicos” (KLEIMAN, 1995, p. 19). Nessa perspectiva, o campo teórico denominado Estudos do Letramento assume que as práticas sociais de qualquer esfera da atividade humana podem fazer parte do cotidiano escolar. 

Segundo Viana et al. (2016), o constructo teórico aqui mencionado é a melhor tradução para New Literacy Studies, já que em nosso país o campo em referência não chegou a se firmar antes de ter a reconfiguração indicada pelo adjetivo “new. Retomando as considerações das autoras explicamos ainda que o termo letramento foi proposto por Brian V. Street e outros estudiosos, com o fim de superar uma perspectiva epistemológica assentada (ainda) em princípios evolucionistas que se orientavam pela divisão entre sujeitos letrados e iletrados. 

Hoje, conforme destaca Kleiman (2016), existe uma grande variedade de implicações e refinamentos semânticos atribuídos ao campo de pesquisa em referência, haja vista que houve uma intensa multiplicação de investigações, ocorridas desde que o nome foi usado pela primeira vez no Brasil até os dias atuais. 

Além disso, parece-nos pertinente destacar que isso ocorreu por meio de debates e de diversas contribuições de pesquisadores da área, as quais colocaram em circulação, por exemplo, a noção de que o letramento é sempre situado, o que tem por consequência a ampliação das áreas de investigação. Assim, em função de o letramento ser um fenômeno múltiplo, conforme explica Oliveira (2008), ele ocorre em diversos domínios da atividade humana (casa, escola, igreja, órgãos oficiais, rua etc.); em aspectos particulares da vida cultural (letramento na academia, no local de trabalho etc,) e em diferentes sistemas simbólicos (letramento eletrônico ou digital, letramento musical etc.).  

Assim, hoje temos, em primeiro lugar, a noção de que devemos usar a forma letramentos, no plural, para nos referirmos ao fenômeno de forma mais ampla. De outro modo, podemos usar o termo no singular acrescido de um determinante especificador do domínio, aspecto ou sistema simbólico investigado.  

O termo cinematográfico é, pois, um desses sistemas simbólicos que pretendemos acrescentar aos Estudos do Letramento. A essa altura, parece-nos pertinente explicar que, em consonância com Oliveira (2008), a referida adjetivação traz implicações para o ensino e experimentação dos diversos gêneros de texto1 vinculados a esse letramento, os quais podem ser utilizados para criar um texto audiovisual. Um exemplo disso, é o curta-metragem de ficção que, em seu processo criativo, pode ser escriturado a partir da sinopse, da escaleta, do roteiro e do storyboard. 

A conjunção entre o verbal e o audiovisual, encontra apoio em pesquisadores como Rojo (2019), para quem ato de ler e escrever constitui-se múltiplas funções intimamente ligadas aos diferentes saberes e às rotinas da vida social contemporânea. De acordo com os Estudos do Letramento, os textos com essa configuração passam a ser adjetivado de multissemiótico ou multimodal.  

Sobre a inclusão dessa modalidade de textos no ensino de língua, Street (2020) destaca, no Glossário Ceale, que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita, em nossa época, devem levar em conta a multimodalidade, isto é, a variedade de modos de comunicação existentes na sociedade atual. Para o pesquisador inglês, nessa abordagem, deve-se levar em consideração não apenas os modos de comunicação linguísticos, mas também os visuais, tais como a fotografia e a imagem, uma vez que eles são amplamente utilizados pelas mídias contemporâneas. Para o aluno imerso nelas, é importante fazer uso consciente delas através da apropriação de conhecimentos necessários para produzir significados, por meio da articulação entre a rede de textos escritos que podem ser usados para dar origem a um texto audiovisual, como um curta-metragem de ficção, por exemplo. 

A relevância do letramento cinematográfico para o ensino reside no fato de que ele representa um ponto de conjunção entre os textos da esfera audiovisual e os da esfera escolar. Assim, trazendo os primeiros para o ambiente onde os segundos são trabalhados, o que abre espaço para a combater uma forma de privação do exercício da cidadania, que ocorre nos dias atuais, e é a rarefeita existência de práticas de leitura de textos audiovisuais, os quais na atualidade circulam intensamente nas diversas mídias existentes.  

Essa circulação já foi observada por teóricos como Kress (2003), para quem, em nossas práticas enunciativas contemporâneas, estamos deixando de dizer o mundo para mostrá-lo. A substituição de uma ação por outra ocorre porque as pessoas produzem e veem muitos vídeos em suas redes sociais, no computador, no cinema ou na TV. Alguns desses textos audiovisuais são mais elaborados que outros, pois são planejados para impactar pessoas e produzir nelas determinado efeito de sentido. Nessa conjuntura, parece-nos importante destacar a importância da multimodalidade da linguagem, uma vez que os textos audiovisuais com esse perfil são, em sua maioria, originalmente planejados pela tecnologia da escrita e nós, ou pelo menos uma parte de nós, os vemos (ou lemos) de forma acrítica, sem ter consciência desse planejamento e sem conhecer as estratégias de produção usadas para criar em nós os efeitos de sentido desejados por quem os produziu. 

Dentro desse lastro de intenções, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é um dos mais recentes documentos parametrizadores publicados pelo Ministério da Educação (MEC), sugere que as ações pedagógicas devem contemplar práticas envolvendo o conhecimento e a análise das mídias trazendo-as para o cotidiano escolar (BRASIL, 2018). Segundo esse documento, o ensino de língua, via centralidade do texto e a partir de uma perspectiva enunciativo-discursiva, deve levar em consideração os contextos de produção e os usos significativos em atividades de leitura, escuta e produção de textos, não apenas os escritos verbalmente, mas os veiculados em várias mídias e semioses, em face das configurações do mundo contemporâneo.  

Por fim, destacamos que o letramento cinematográfico se constitui em uma proposta alinhada ao citado documento oficial, posto que inclui o trabalho com textos multimodais, representa uma possibilidade de desenvolver um indicador de competência leitora no sentido crítico. Além disso, o letramento cinematográfico pode propiciar a confluência do ensino de escrita e leitura do texto verbal, aliado à fruição e construção do texto audiovisual nos contextos escolares contemporâneos.  

 

Referências 

 

BRASIL. Ministério da educação, secretária da educação básica. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso em: 20 jun 2020. 

 

KLEIMAN, A. B. Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1995. 

 

KLEIMAN, A. B. Significados e ressignificações do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 2016. 

 

KRESS, Gunther. Literacy in the new media age. London: Routledge, 2003.  

 

OLIVEIRA, M. S. Projetos: uma prática de Letramento no cotidiano do professor de língua materna. In: OLIVEIRA, M. S.; KLEIMAN, A. B. (Orgs). Letramentos múltiplos: agentes, práticas e representações. Natal: Edufrn, 2008. p. 93-118. 

 

VIANA et al. Agência e Demanda na Formação Continuada de Professores: possíveis caminhos para construção de conhecimento em eventos formativos. In: KLEIMAN, A. B. Significados e ressignificações do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 2016.  

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