Felicia Krumholz
Graduada em Arquitetura e Urbanismo (FAU-UFRJ),
é uma das idealizadoras e curadoras da Mostra
Geração do Festival do Rio (Rio Int'l Film Festival).
E-mail: felicia.mostrageracao@gmail.com.
Beatriz Moreira de Azevedo Porto Gonçalves
Graduada em Cinema (UFF), com mestrado e doutorado
em Educação (PUC-Rio). É professora de Mídias da
Escola Oga Mitá e Produtora Cultural da Pró-Reitoria de
Extensão da UFRJ.
Mostra Geração: participação e trajetórias de aprendizagem no segmento infanto-juvenil do Festival do Rio
Este texto apresenta a Mostra Geração, segmento infanto-juvenil do
Festival do Rio, pelo ponto de vista da organização da mostra. Contribuíram
para esta análise as reflexões construídas nos encontros do Grupo de Pesquisa
em Educação e Mídia (GRUPEM/PUC-Rio), coordenado pela professora Rosália
Duarte.
O artigo prioriza aspectos relacionados à produção audiovisual
feita para e por crianças e
adolescentes, mas incluindo, também, um pouco da história recente das práticas
envolvendo cinema, audiovisual e educação no Rio de Janeiro. Considera, ainda, algumas
políticas públicas que interferem no desenvolvimento de propostas de educação com e para as linguagens
audiovisuais.
Gênese da Mostra Geração
A cidade do Rio de Janeiro é um dos principais polos de produção
audiovisual brasileira. Até 1998, existiam dois eventos importantes no
calendário cinematográfico local: a Mostra Rio e o Festival Rio Cine. Ambos
exibiam filmes estrangeiros sem distribuição comercial no país e os poucos
filmes da então denominada “retomada do cinema brasileiro”[3]1. A fusão entre os dois
eventos, em 1999, deu origem ao maior festival de cinema da América Latina: o
Festival do Rio (Rio de Janeiro Int’l
Film Festival).
Além da ampliação da oferta de filmes, atingindo novos públicos,
uma agenda de encontros voltados para a produção, financiamento, circulação e
formação técnica no setor audiovisual foi incluída na programação. Seguindo a
tendência adotada nos principais festivais internacionais, foi criado o
RioMarket, espaço de negócios para realizadores e distribuidores, facilitando a
difusão de filmes nacionais e estrangeiros.
O nascimento do festival se deu em um contexto de emergência, no
cenário mundial, de novas tecnologias de produção audiovisual e novos formatos,
que também receberam especial atenção dos organizadores.
Na perspectiva de cumprir um papel mais
significativo do que o de mero exibidor de filmes, desde o seu primeiro ano, o
Festival do Rio realiza uma mostra especialmente voltada para o público
infantojuvenil. Inicialmente chamada de Janela Mágica, foi rebatizada de
Geração Futura, por conta de uma parceria com um canal privado de televisão
educativa – Canal Futura – nos anos de 2000 a 2003. Em 2004, adotou-se o nome
utilizado até hoje: Mostra Geração.
A curadoria ficou a cargo de Marialva Monteiro, do Cineduc –
entidade privada sem fins lucrativos, voltada para a promoção de “reflexão
sobre as linguagens audiovisuais com o público infantojuvenil e educadores”[4], e
de Felicia Krumholz, representando o Oficina Cine-Escola (OCE) – programa
educativo do Circuito Estação de Cinemas (1999-2009)[5] e a Escola Audiovisual
Cinema Nosso (de 2005 a 2013)[6].
Partia-se do pressuposto de que crianças e adolescentes são mais
do que um futuro espectador adulto
em potencial; são importantes por si mesmos e merecem que sejam feitos filmes
de qualidade especialmente para eles. Essa é uma questão fundamental no Brasil,
onde a produção voltada para a infância e a adolescência é pequena e o circuito
de exibição é praticamente monopolizado pela produção hollywoodiana e/ou por
filmes que reproduzem esse padrão ou incorporam a lógica televisiva.
Subsidiava a curadoria da mostra a ideia de que a experiência do
cinema só se concretiza quando cada espectador confere ao filme um sentido
particular. As diferentes interpretações dos espectadores estão relacionadas às
suas histórias de vida, à sua sensibilidade, e ao que Martín-Barbero (1987)
chamou de mediações. Compreendíamos que a exposição de apenas um modelo de
produção para o público jovem não apenas limita seu conhecimento como pode
restringir sua imaginação. Esperava-se, portanto, que o segmento infantojuvenil
do Festival do Rio se tornasse uma oportunidade de reflexão a partir da
diversidade.
Mostra Geração
A mostra se preocupa em oferecer uma programação que ao mesmo
tempo possa divertir e informar, fazer sentir e pensar. Na pesquisa por títulos
inéditos no Brasil, uma associação foi fundamental, o Centre International du Film Pour L'Enfance et La Jeunesse (CIFEJ),
ao qual o Cineduc é filiado desde que realizava bianualmente o Cinema Criança
(1989-1997).
Criado em uma conferência da Unesco em
1955, o CIFEJ é uma organização internacional com o propósito de promover a
produção e a difusão de filmes voltados para o entretenimento, educação,
informação e formação artística/estética de crianças e adolescentes, que sigam
os princípios humanistas das Nações Unidas: “o entendimento entre as
nações; respeito pelos Direitos da Criança e do Homem; tolerância racial,
linguística e religiosa”[7]. O CIFEJ tornou-se,
assim, uma referência para a seleção de filmes de qualidade. Outros festivais
internacionais também são fonte de consulta.
Em 1999, nossa primeira edição, foram exibidos 10 longas e 8
curtas-metragens, trazendo imagens produzidas pelo Brasil e por mais 15 países[8].
Alguns com forte tradição de produção audiovisual para o nosso público –
conhecidos pelo grande volume de obras, como EUA, Canadá, Alemanha, Holanda e
os países nórdicos – e outras cinematografias mais raras, como a iraniana e a
mexicana[9].
Além da ética e da diversidade cultural, privilegiamos, na seleção dos filmes,
a criatividade no uso da linguagem audiovisual e suas múltiplas possibilidades
de gênero, ritmos, técnicas e interações com outras formas de expressões
artísticas e informacionais. Os temas deveriam atender aos interesses de
crianças e jovens, e era desejável que tocassem em questões importantes para os
educadores, embora o aspecto temático não fosse o mais relevante.
O papel do segmento infantojuvenil do Festival do Rio era valorizar
o cinema enquanto arte, chamando a atenção para o fato de que, nas expressões
artísticas e audiovisuais, a forma é tão importante quanto o conteúdo. Uma só
imagem pode comunicar e concretizar muitas ideias, emoções e sensações. As
relações que ela estabelece com as imagens que a antecedem e a sucedem, o
sentido do filme – usando a expressão de Eisenstein –, as formas com que se
relacionam com a música, com os diálogos e com os outros sons do filme, é aí
que está a riqueza da obra cinematográfica. Acreditamos que nossa melhor
contribuição é refletir com o público sobre a especificidade do cinema.
Esses critérios orientaram a curadoria dos mais de 200 longas
exibidos no Programa International, parte da Mostra Geração. Filmes vindos da
Alemanha, Dinamarca, Suécia, Índia, Noruega, Brasil, Finlândia, Espanha,
Canadá, Irã, Japão, Reino Unido, França, Argentina, Chile, África do Sul,
Nigéria, Letônia, Grécia, Croácia, Bósnia, Israel e China são alguns exemplos.
Até o ano 2013, um curta-metragem era exibido antes de um longa.
Fizemos várias parcerias com o Canal Curta. Nesse último ano, para apoiar os
curta-metragistas, instituímos o Prêmio Geração Forno de Minas, patrocinado pela empresa Forno
de Minas, que financiou a premiação no valor de R$ 5.000,00. O vencedor foi Quico Meirelles, diretor do filme: A galinha que burlou o sistema.
Nosso empenho consiste em promover acesso a longas e
curtas-metragens que muitas vezes não chegam ao
mercado brasileiro e, por isso, não havia cópias em português. De suas
participações em festivais estrangeiros, Marialva Monteiro trouxe para o Brasil
a ideia de dublar ao vivo os filmes para crianças pequenas, que ainda não sabem
ler. Nos festivais de fora, a dublagem geralmente era feita por uma única
pessoa, como uma simples leitura. Aqui, aperfeiçoamos esse acesso e combinamos
vozes femininas e masculinas em dois grupos de três atores que fazem vários
personagens de um mesmo filme. Com a prática, esse trabalho tem evoluído,
aumentando a sincronicidade e a variação de timbres de cada membro da equipe.
Essa dublagem transformou-se em atração especial para o público infantil, que
conversa com os dubladores antes e depois das sessões, demonstrando
curiosidade. Em 2014 introduzimos a presença de atores profissionais, com
atuação junto ao nosso público de forma a termos mais um atrativo. Já os filmes
para o público a partir de 12 anos recebem legendas eletrônicas[10],
como nas demais mostras do Festival do Rio.
Devido ao caráter da proposta, a opinião dos jovens sempre é
considerada. Por isso, num primeiro momento, montamos um júri formado por
crianças e adolescentes indicados pelos consulados dos países participantes e
presidido por um brasileiro[11].
Havia uma preleção de críticos de cinema sobre os elementos da linguagem
cinematográfica e uma pessoa da nossa produção coordenava a votação, elaborando
a tabela de votos. Além da introdução à história do cinema e suas técnicas, a
experiência do júri infantojuvenil consistiu em um verdadeiro intercâmbio
cultural, em que o debate entre jovens, com histórias e sensibilidades
distintas, evidenciava o quão amplas são as interpretações possíveis para uma
mesma obra fílmica. Apesar desse formato de júri ser interessante, pois
estimulava o exercício de expressão, defesa e troca de ideias entre os membros,
demandava um investimento alto para o número restrito de jovens atendidos.
Desde 2001, o melhor filme longa-metragem da seleção internacional é escolhido
pelo júri popular infantojuvenil, pois, nossa Mostra tinha necessidade de
expandir.
A segunda edição ocorreu no início da disseminação de novas
tecnologias de registro de sons e imagens, de fácil operação, que baratearam o
preço de se fazer uma filmagem com qualidade. Importantes mudanças na política
social do governo federal, na perspectiva da redução do Estado, configuravam
novas formas de mobilização social e cultural. Em 2000, havia no Rio de Janeiro
um grande número de organizações não governamentais (ONGs) trabalhando com
jovens de comunidades de baixa renda, usando o audiovisual como ferramenta de
empoderamento e elevação da autoestima. O debate da educação pela comunicação
para a cidadania reforçava a nossa crença de que, abrir espaço para produções
de procedências e abordagens diversas colabora para uma sociedade mais justa e
solidária, que acolhe a diferença. Mas pretendíamos instituir um diálogo mais
profundo com os educadores; queríamos ver e exibir a crescente produção das
novas gerações; queríamos experimentar o audiovisual na prática com crianças e
adolescentes. Assim, abrimos mais três frentes de trabalho: o Encontro de
Educadores, o Vídeo Fórum e as Oficinas Geração.
Nosso público sempre foi majoritariamente composto por estudantes,
o que faz dos professores nossos principais parceiros. Acreditamos que os
educadores ocupam um espaço privilegiado junto aos jovens na oferta de novas
formas de leitura e para que servem os novos meios de conhecimento, no caso, o
audiovisual. No entanto, no Brasil, se os cursos de formação inicial e
continuada de docentes pouco viabilizam o desenvolvimento de uma relação mais
intensa e crítica do professor com a arte, muito menos se ocupam fornecer
ferramentas metodológicas para o trabalho com cinema, para além de aproveitar o
conteúdo temático dos filmes.
Em pesquisa sobre os hábitos de consumo cultural de professores da
rede municipal de ensino de Belo Horizonte-MG, Ramos e Teixeira
(2010) apresentam dados que observamos durante todos esses anos em que
trabalhamos com cinema e educação, seja no festival ou nos demais projetos que
desenvolvemos. Em geral, os docentes frequentam pouco as salas de cinema, tendo
“preferência pelos bens culturais que podem ser consumidos no espaço doméstico”
(p. 14-15). Concordamos com as autoras quando afirmam que “mais do que as
possíveis dificuldades de ordem financeira [o valor do ingresso é alto em
relação ao salário médio do professor brasileiro], acreditamos que o pouco
tempo destinado ao descanso e ao lazer explicam em parte essa opção pelo lazer
doméstico.” (Ramos e Teixeira, 2010, p. 15). Outro fator, apontado pelo estudo
e observado por nós, é a má distribuição dos equipamentos culturais. Sabendo
que o monopólio da programação se estende das salas de exibição para a TV e
para o mercado de home video, vemos
no país um quadro geral insatisfatório de relação dos professores com o cinema
e o audiovisual. Entendemos que o maior
evento cinematográfico da América Latina pode e deve ajudar a melhorar essa
situação, embora as soluções mais efetivas dependam muito mais de políticas
públicas nas áreas de educação e cultura.
Dentro dos limites de nossas possibilidades, valorizamos a
profissão docente proporcionando aos professores momentos de fruição estética.
É uma forma de instrumentalização profissional, mas, principalmente, uma
contribuição no processo mais amplo de formação desses sujeitos. O papel da
arte na dimensão humana da formação dos educadores é fundamental, dada a função
social que exercem. E é neste sentido também que queremos sensibilizá-los para
o trabalho com os alunos.
Ao longo de nossa trajetória, notamos que, apesar das dificuldades
de acesso, sempre houve professores[12] interessados em cinema. O
interesse é crescente na medida em que a sociedade tem demandado inovações na
escola. Atualmente no estado do Rio de Janeiro, existem políticas que visam a
introdução de novas tecnologias na educação como uma condição para o preparo de
indivíduos com as habilidades necessárias para a vida e trabalho no século XXI.
Há uma expectativa de que o trabalho com as linguagens audiovisuais contribua
com esse processo. Paralelamente, a área cultural, como observou Hall (1997)[13],
vem sendo disputada conforme a cultura se destaca como dimensão social que
permeia a economia, o trabalho, a religião, a política, etc. Nesse sentido,
pensadores e gestores da educação percebem a cultura como dimensão fundamental
do currículo e da socialização que se dá dentro da escola. Porém, com algumas
exceções, as políticas brasileiras voltadas para o trabalho na escola com
cinema e audiovisual não investem na formação dos professores.
Esse cenário contextualiza nossas opções em atender educadores de
toda sorte: de espaços formais e informais, públicos, privados ou
filantrópicos, e de todas as disciplinas. Então, convidamos para as sessões
especiais que geralmente aconteciam pela manhã, seguidas de debates, a fim de
trazer o espectador para junto da linguagem audiovisual e também com
aproveitamento pedagógico, porque os educadores merecem e para que continuem o
debate sobre a nossa programação com seus alunos. Em 2003, fruto de discussões
em nossos encontros anuais, foi criado o projeto O professor vai de graça ao cinema, que durante anos exibia,
quinzenalmente, numa sala de cinema participante do Festival do Rio, um filme
seguido de debate, dedicado aos educadores[14].
Em 2014, com a parceria do British Council e do Canal Brasil, foi
exibido em pré-estreia o filme InRealLife,
de Beeban Kidron, e contamos com a presença da diretora inglesa, num debate com
a pesquisadora Flávia Turino, mediado pela jornalista e mestra em educação
Barbara Pereira.
Frequentemente o tema dos Encontros de Educadores aborda questões
que giram em torno do universo das escolas (contos de fadas, bullying, trabalho docente, etc.).
Convidamos especialistas nos assuntos dos filmes e nossa curadoria sempre
discute o tratamento estético.
Em 2002,
realizamos pela primeira vez o Encontro de Educadores antes do período do
festival, após a seleção dos filmes do Programa Internacional. Nessa ocasião, falamos um pouco sobre eles e exibimos
trailers, na perspectiva de informar os educadores sobre nossa programação. Por
questões de mercado e de produção, não disponibilizamos as obras para que eles
vissem antes dos alunos, mas depois de vários anos de trabalho, nossa
marca é vista como uma garantia de qualidade.
Em 2000, organizamos a primeira mostra brasileira de filmes/vídeos
feitos por crianças e adolescentes: Vídeo Fórum[15], realizada ainda hoje como
parte da programação da Mostra Geração. O formato das sessões quase não mudou:
antes das projeções, os grupos realizadores apresentam seus projetos e falam um
pouco sobre o processo de criação e produção. Ao término das exibições,
promovemos um debate entre os próprios participantes, discutimos sobre as
opções de linguagem, a liberdade na produção, as questões de direitos autorais/
éticas, etc. Nesse espaço, os adultos só podem perguntar (ou falar, se os
jovens os questionarem)
ou ainda se houver tempo após o debate entre jovens e crianças, pois nossa
proposta é fortalecer o protagonismo infantojuvenil.
Influenciado pelo contexto de mobilização social, o Vídeo Fórum
foi criado com a participação de
entidades de comunicação popular, que naquele momento formavam uma rede
colaborativa fundamental para a divulgação das nossas inscrições e sessões. Dos
27 vídeos exibidos no primeiro ano, 10 haviam sido realizados em projetos de
ONGs; 6 escolas particulares foram responsáveis por 7 títulos selecionados e os
demais eram produções de projetos de extensão de instituições de pesquisa; TVs
educativas e experiências isoladas de algumas instituições públicas de saúde e
cultura. Apenas uma escola pública participou. A maior parte dos inscritos veio
do Rio de Janeiro e de cidades vizinhas, com apenas um trabalho das regiões
nordeste e centro-oeste do país.
O evento se popularizou de tal maneira que na sua 12ª edição,
realizada em 2012, o Vídeo Fórum recebeu uma média de 150 inscrições de
trabalhos vindos do Brasil inteiro e de outras partes do mundo[16].
Até 2012, 181 instituições já tiveram vídeos exibidos aqui. As
ONGs ainda eram maioria (30%), mas as escolas públicas já estão superando esse
número de participações (29%). As escolas particulares representam
aproximadamente apenas 11% do total. O conjunto se completa com projetos
educativos de produtoras de cinema e vídeo; cursos livres de audiovisual; canais
de TV educativos e comunitários; projetos sociais de empresas privadas e pontos
de cultura[17]. Em
2004, recebemos as primeiras inscrições de jovens que fizeram tudo sozinhos. Em
2013, do total de 510 trabalhos exibidos, 30 eram produções independentes.
Essa mudança de perfil dos participantes pode ser atribuída a três
motivos: 1) como um trabalho novo, começamos com uma participação mais ampla,
depois fomos reduzindo a faixa etária de 23 anos para jovens não universitários
até 18 anos. Como as ONGs atendem a pessoas de diferentes idades, essa opção de
curadoria direcionou nossas inscrições para as escolas; 2) as ONGs produzem
muito, mas são instituições mais instáveis, tendo dificuldades em manter os projetos,
enquanto as políticas educacionais têm equipado as escolas públicas, o que
acaba incentivando a produção audiovisual; 3) apesar das iniciativas pioneiras,
ainda são poucas as escolas particulares brasileiras com trabalho audiovisual.
Um indicador dessa mudança de perfil é a diminuição da quantidade de vídeos
sobre violência nas favelas e o aumento de temas frequentes no universo
escolar, como bullying, diversidade
cultural, gravidez na adolescência, meio-ambiente e datas comemorativas.
Às vezes, é difícil identificar os vídeos resultantes de processos
em que crianças e jovens são protagonistas. Muitos educadores trabalham com
jovens, mas não permitem que eles operem os equipamentos, com receio de
quebrá-los. Pode ocorrer também do educador realizar todo o projeto e colocar
os alunos apenas como “atores”. O tratamento temático costuma ser uma pista da
maior ou menor participação dos estudantes na realização do filme. Segundo
Regina Bortolini, curadora do Vídeo Fórum em 2000 e 2001, “adolescentes estão
sempre em crise e tendem a pensar os desdobramentos mais trágicos para os
problemas”. Para Bete Bullara, representante do Cineduc na curadoria geral da
Mostra Geração desde 2008: “o ponto de vista do professor sobre ‘gravidez na
adolescência’ destaca as dificuldades estruturais e financeiras, enquanto a
primeira coisa que o jovem pensa é: ‘minha mãe vai me matar’.” Nos vídeos das
crianças pequenas, é mais difícil constatar a real participação delas. Muitas
vezes erramos, mas os debates sempre revelam os processos de realização e, com
o tempo, fomos apurando o olhar para identificar essa questão.
A troca de experiências é mais importante que a qualidade dos
filmes. Os realizadores podem inscrever até cinco títulos cada e, obedecendo
aos critérios acima mencionados, a curadoria escolhe pelo menos um para
garantir a participação de todos. Dado o caráter pedagógico, o Vídeo Fórum não
é uma mostra competitiva. Não existem parâmetros para comparar filmes
produzidos em contextos tão distintos e com recursos tão diversos. O objetivo é
fazer com que as crianças e jovens se conheçam: vejam as realidades, contextos,
processos e resultados uns dos outros. Por isso, insistimos na presença física
de todos nos dias das exibições. Além disso, distribuímos aos participantes a
coletânea anual com todos os trabalhos selecionados. Em 2014, inserimos a
proposta de “MCs” como apresentadores das sessões. Jovens atores com atuação
junto a cada um dos segmentos de público faziam a mediação inicial junto aos
jovens produtores, que envergonhados tinham muita dificuldade de se
apresentarem em cima do palco para contar suas experiências.
Em 2017 e 2018, conseguimos uma parceria com a TV Escola que
providenciou transporte dos alunos produtores/realizadores das escolas da rede
municipal do Rio de Janeiro. Além disso, a Film In (empresa produtora do
programa Curta Mostra Geração) também conseguiu uma parceria que culminou com a
distribuição de lanches para todos os participantes do Vídeo Fórum. As sessões
e seus debates foram gravados pela produtora que idealizou e realizou os vários
programas para a TV Escola[18]. Em
2021, o programa Curta Mostra Geração tornou-se o de maior audiência dessa
emissora.
Oficinas Geração
Com as Oficinas Geração, procuramos articular o ver ao fazer. É aqui que enfrentamos os maiores desafios. O principal é o
tempo, pois o festival dura apenas duas semanas e o público-alvo não costuma
ter disponibilidade para participar de uma atividade com mais de três horas de
duração. O orçamento de experiências práticas com vídeo é outro complicador: há
dificuldades em mobilizar recursos financeiros para atender grupos pequenos e o
número de participantes deve ser definido com cuidado. Em geral, as
experiências mais profundas só são possíveis para grupos de até 15 pessoas.
Aspectos técnicos e tecnológicos muitas vezes limitam as possibilidades de
ação, demandando uma equipe maior para lidar com crianças/adolescentes e
equipamentos.
Mesmo assim, em toda a história da Mostra Geração, a variedade das
oficinas realizadas é da ordem de 25-30 propostas. Tantas opções só foram
possíveis graças às parcerias com TVs educativas e cursos de audiovisual,
permitindo oferecer mais de uma oficina simultaneamente e atingir um público
maior. Porém, administrar e divulgar tantas ações dentro de um festival desse
porte é tarefa complexa. Não há como simplesmente delegar as oficinas a
terceiros, é necessário um acompanhamento pedagógico. Assim, desde 2005,
oferecemos apenas um ou dois tipos de oficinas por ano. Percebemos que oficinas
de roteiro, documentário, interpretação para cinema e vídeo, fotografia e operação
de câmera, videografismo, filmes publicitários e making of necessitam de um tempo maior para atingir resultados
interessantes. Apesar de serem experiências válidas para uma aproximação do
público com processos criativos envolvendo imagens, não pensamos em repeti-las
no formato inicialmente apresentado.
No tempo médio de três horas da oficina, avaliamos que as de
animação não computadorizada podem não concluir obras-primas como produtos finais. Porém, do ponto de vista do
contato do público com o processo e a história das imagens em movimento, é um
exercício bastante completo. Qualquer oficina de animação artesanal trabalha
minimamente o ato de narrar uma ação, a caracterização de personagens e/ou
objetos, a composição de quadro e a descoberta de que o movimento no cinema é
uma ilusão dividida em quadros/segundo.
Oficinas de brinquedos ópticos – confecção de câmara escura,
zootrópios e taumatrópios com materiais recicláveis – têm agradado as crianças
até 12 anos. São encontros animados e funcionam para turmas com até 30
crianças. Mas, para dar conta da programação em três horas, é preciso levar os
brinquedos semipreparados.
Em 2007, tivemos acesso aos primeiros aparelhos de celular com
câmera e propomos a jovens (12 a 18 anos) a realização de vídeos com esses
aparelhos. Na internet, encontramos alguns curtas exibidos em festivais fora do
Brasil. Aqui, não conhecíamos ninguém que fizesse esse trabalho. Então,
convidamos dois educadores, com experiência em vídeo, que se interessassem por
pesquisar essa nova tecnologia com uma equipe de jovens monitores, selecionados
em cursos populares de audiovisual. Dois meses antes do início do festival,
iniciamos a preparação, pesquisando imagens, informações sobre esse tipo de
produção e experimentando equipamentos e linguagem.
Nessa etapa, os vídeos captados pela minúscula lente e pensados
para a tela pequena do celular lembravam os filmes mudos das primeiras décadas
do cinematógrafo. Mesmo captando áudio e imagem separadamente, a qualidade não
era favorável à compreensão de diálogos. As baixas resoluções (em torno de 2.0
megapixels) imprimiam imagens distorcidas com um aspecto comum às imagens preto
e branco do Primeiro Cinema (Costa, 1995), já desgastadas depois de
praticamente um século de vida. Percebemos que para manter o interesse do
espectador, os filmes também deveriam ser curtíssimos, cerca de um minuto –
lembrando que o cinema mudo tinha menos mobilidade de câmera e pouquíssima
variação de enquadramento. Enquanto a leveza e tamanho do aparelho de celular
permitem o seu posicionamento em lugares antes impensáveis, a qualidade das
imagens também não era favorável à leitura de planos muito abertos e/ou com
muito movimento. E assim, fomos descobrindo o potencial dessa linguagem que
surgia.
As dificuldades técnicas foram muitas, os aparelhos eram
acessíveis, mas cada fabricante produzia um formato diferente de arquivo final
(exemplos: 3gp; mp4; mov) e nem todos eram compatíveis com os softwares de edição que usávamos nos
computadores cedidos por um parceiro. Foi uma grande pesquisa para equacionar
aparelhos, codecs e softwares, de modo a não perdermos tempo
com essas questões mais técnicas durante as Oficinas Geração, abertas ao
público do festival.
Na preparação, a equipe de monitores foi a seis escolas (públicas
e particulares) para uma espécie de ensaios da atividade que seria oferecida no
período do festival. Nossa produção chegava às instituições levando brinquedos,
fantasias e adereços para dar elementos aos filmes que os alunos iriam
produzir. Quando o festival começou, os workshops
aconteceram em um centro cultural, um espaço rico de detalhes arquitetônicos,
onde os participantes, organizados em cinco trios, podiam filmar as exposições,
havendo bastante estímulo à criatividade. Postávamos os vídeos no canal da
Mostra Geração no YouTube, e também distribuíamos (via bluetooth) para os celulares do público do festival presente no hall de algumas salas de cinema.
Novamente, a duração das oficinas (3h) no período do festival foi
insuficiente para trabalhar as possibilidades de linguagem. No entanto, a
preparação da equipe de monitoria, que também era muito jovem (com idades entre
16 e 21 anos), foi um processo interessante no qual todos aprendemos. Voltamos
a produzir vídeos com celular e, em 2008 e 2009, aperfeiçoamos o método,
inserindo, no início da oficina, um módulo de 30 min para exibir filmes do
Primeiro Cinema e curtas produzidos com celular que fossem criativos e bem
diferentes entre si. No último ano, os grupos desenvolviam apenas uma parte do
vídeo (início, meio ou fim) e assistiam depois, no YouTube, as histórias
completadas por outros grupos.
A oficina Remontando Ideias foi a experiência que consideramos
mais produtiva. Durante o festival de 2006, formamos três grupos de cinco
adolescentes que deveriam reeditar filmes inscritos e não selecionados para o
Vídeo Fórum. Em seis tardes, de forma intensiva, os grupos tiveram aulas de
edição, operando um software
profissional e discutindo questões de roteiro. Foi uma satisfação trabalhar com
os jovens todo um processo envolvendo leitura do material audiovisual original;
teorias e técnicas de edição; narrativas; controle de mensagens; interpretações
possíveis; escolhas; pontos- de-vista; trabalho em equipe; criação coletiva,
etc. E mais ainda: refletir com eles sobre os produtos finais. Os vídeos
resultantes das oficinas foram apresentados no encerramento do Vídeo Fórum, com
a presença das equipes de produção dos vídeos originais e outros jovens que haviam
participado da Mostra Geração nesse ano. O debate foi polêmico e acalorado,
porém, devido às questões de infraestrutura já mencionadas, não conseguimos
repetir essa experiência. Mas não está descartada a possibilidade de repeti-la.
Apesar de privilegiarmos as experiências práticas, houve também
palestras de realizadores, roteiristas, fotógrafos e atores. Encontros teóricos
funcionam bem dentro do tempo que temos com nosso público. Outro ponto positivo
é que eles permitiram que um grande número de pessoas tivesse oportunidade de
conhecer nomes como Cacá Diegues, além de Tashka Yawanawa e Laura Soriano,
cineastas da etnia Yawanawa, sempre enfatizando o ofício de fazer filmes.
Em 2014, para comemorar os 15 anos da Mostra Geração, tivemos a
oportunidade de realizar no Centro Cultural Banco do Brasil, uma Aula Magna com
Jorge Furtado. Com o tema “O que é necessário para se fazer um filme?”, o
cineasta encantou a plateia que permaneceu atenta durante mais de sete horas
seguidas de conversa.
Muitos outros eventos constroem a história da Mostra Geração: a
apresentação das sessões por atores mirins; os diálogos promovidos com
cineclubistas; a presença de diretor da escola Orson The Kid[19] para apresentar
e debater o primeiro longa-metragem inteiramente realizado por jovens, com
distribuição comercial na Espanha; as Maratonas Geração[20],
que tiveram lugar na sede do Festival do Rio, que em 2015 aconteceu no Colégio
Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ e nos anos seguintes no Museu de Arte do
Rio (MAR), com a participação de jovens atores e ou diretores. Outra trajetória
de aprendizado significativa é o voluntariado de universitários nas atividades
do Festival do Rio e principalmente na Mostra[21].
Considerações finais
Os bastidores de um festival internacional evidenciam a amplitude
da cadeia produtiva das imagens em movimento, envolvendo diversos sujeitos em
situações diferentes. Pensa-se muito sobre a primeira ponta da série, a
produção. Mas, apesar da ascensão da produção amadora, ainda assim, todos somos
espectadores. A Mostra Geração tem como foco o público, mesmo quando incentiva
experiências práticas. O domínio das tecnologias audiovisuais é um caminho para
o jovem exercer seu direito à expressão e à participação na sociedade. Mas como
criar novos sentidos usando a câmera? Como a edição e o som interferem? Ao
preparar nossas edições em tempos chamados de “pós-cinema” (Mattos, 2011),
muitas são respostas para essas perguntas. É exibindo diversidade com qualidade
que acreditamos promover o conhecimento da estética cinematográfica.
Mesmo no
momento de crise que o país atravessava, especialmente no setor cultural, a
partir de 2017 foi instituído o Prêmio Geração, troféu conferido ao melhor
filme de longa-metragem escolhido por um júri composto por pessoas da área de
cinema, cultura e mídia-educação. Também retomamos o selo da Mostra Geração
para a recomendação de filmes que estiveram em outras mostras do Festival do
Rio e fossem de interesse para crianças e jovens.
Em 2019,
quando o Festival do Rio completaria 20 anos de atividades ininterruptas, houve
o desmantelamento do Ministério da Cultura, cortes e congelamento de recursos
para a cultura e os patrocínios prometidos acabaram não se confirmando. A
realização desse evento internacional só pôde acontecer em dezembro, graças a
um financiamento coletivo. Infelizmente não foi possível realizar o Vídeo
Fórum, nem a Oficina Geração.
Em 2020,
por conta da pandemia de Covid-19, as atividades do Festival do Rio foram
suspensas. A equipe continua trabalhando arduamente para resgatar e devolver ao
Rio de Janeiro todo o seu patrimônio cultural.
Links da Mostra Geração
Links da Mostra Geração
Links gerais
https://business.facebook.com/festivaldecinemadorio/
https://www.instagram.com/festivaldorio/?hl=pt-br
Mostra Geração
www.mostrageracao.blogspot.com
www.youtube.com/mostrageracaovideo
2012
O que aconteceu na mostra:
http://youtu.be/JQ7Eer9ychg
http://www.flickr.com/photos/festivaldorio/sets/72157631637354519/
Dia 1: http://youtu.be/wPAyP1NVfpM
Dia 2: http://youtu.be/Qjm4wKLPO34
Dia 3: http://youtu.be/mGtPvCfpv10
Dia 4: http://youtu.be/7A259t7vrpk
Dia 5: http://youtu.be/H_NzRyiaGgo
2017
Maratona Geração
Além do que se vê - Madrinha Karina Ramil:
https://youtu.be/MoagIy6QGvw
Arte é liberdade - Madrinha Li Borges
https://youtu.be/5UM_pTK7VH0
Bagunça - Padrinho Pedro Nercessian (Segundo Lugar)
https://youtu.be/KxK2oZlV-E4
Cadeira Amarela - Ciro Sales (Primeiro Lugar)
https://youtu.be/e801zbtEzlM
Em Busca de Tainá - Madrinha Paula Braun
https://youtu.be/RRy9mYb0_NE
Interceção - Padinho Diogo Sales
https://youtu.be/fXKvH1926v0
Malhas para liberdade - Madrinha Antônia Fontenelle
(Terceiro Lugar)
https://youtu.be/XMY7C3MDJnU
Ou vir – Madrinha Isabella Dragão
https://youtu.be/LzXcxYHihbM
O Chapéu - Padrinho Raphael Sander
https://youtu.be/Y7rdxkRTnGE
Prato do Dia - Madrinha Lorena Comparato
https://youtu.be/xgk3iYZxKWA
Somos Todos Um - Madrinha Klara Castanho
https://youtu.be/fZJc_CAiESc
Referências
BULLARA, B.; MONTEIRO, M. Cinema: uma janela mágica. Rio de Janeiro: Memórias Futuras Edições/ Cineduc, 1991.
COSTA, F. C. O primeiro cinema: espetáculo, narração, domesticação. São Paulo: Scritta, 1995.
KRUMHOLZ, Felicia; PORTO GONÇALVES, Beatriz M. de A. Participation and learning trajectories on the Rio Int’l Film Festival’s section for children and young people. Nordic Journal of Digital Literacy, Oslo: IDUNN, n. 4 (especial), dez. 2012. Disponível em: https://www.idunn.no/dk/2012/04/participation_and_learning_trajectories_on_the_rio_intl_fi. Acesso em: 14 jun. 2021.
MARTÍN-BARBERO, J. De los medios a las mediaciones. México: Editorial Gustavo Gili S/A, 1987.
MATTOS, C. A. Cinefilia Online. Filme Cultura, n. 53, p. 44-47, 2011.
RAMOS, A. L. A.; TEIXEIRA, I. A. de C. Os professores e o cinema na companhia de Bergala. Revista Contemporânea de Educação, v. 5, n. 10, p. 7-22, 2010.
UNITED NATIONS. Convention on the Rights of the Child. 1989. Disponível em: http://www2.ohchr.org/english/law/crc.htm. Acesso em: 14 jun. 2021.
[3] No ano de 1990, o governo federal fechou o principal órgão de fomento à produção cinematográfica do Brasil, a Empresa Brasileira de Filmes S/A (Embrafilme). O número de filmes ficou reduzido a praticamente zero até o ano de 1995, quando novas políticas culturais foram implementas, permitindo a retomada das produções nacionais.
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