última atualização 09-01-2023

Dicionário da Educação Audiovisual - PRODUÇÃO DE VÍDEO ESTUDANTIL

Josias Pereira
Professor adjunto da UFPel, docente
do Curso de Cinema e Audiovisual e da
Pós-graduação de Artes e de Educação Matemática.

Vania Dal Pont
Professora de Matemática e doutoranda em Educação da UFPel.  




O Que é a Produção de Vídeo Estudantil?

A produção de vídeo estudantil tem como base fundamental e irrevogável a produção de uma obra audiovisual (vídeo) de qualquer gênero (ficção, documentário, animação, videoclipe ou videoaula) realizado dentro do espaço escolar com a anuência do professor sendo realizado pelos alunos em sua totalidade ou em parte. Quando informamos dentro do espaço escolar não significa o espaço físico da escola, mas que essa produção seja debatida, organizada e realizada por alunos da educação básica com a orientação de um professor.

A principal característica da produção de vídeo estudantil (PVE) é que o aluno deve estar ativo dentro do seu processo educacional de forma direta ou indireta, o docente deve ter uma intencionalidade pedagógica para trabalhar o seu currículo normativo ou o currículo oculto. Se a produção de vídeo for realizada sem uma ação pedagógica, o mesmo educacionalmente fica inoculo dentro do processo educacional do aluno. Sendo assim a PVE tem como base não apenas a produção de um produto (Educação Maker), mas esse produto (Vídeo) estar ligado a um processo de ensino.

Talvez analisar o que não é a produção de vídeo estudantil (PVE) seja mais fácil.

 

- Quando um professor faz um vídeo para os alunos é chamado videoaula, isso não é uma PVE.

- Quando um aluno faz sozinho um vídeo em casa sem o professor ter pedido não é PVE.

- Quando um professor pega um vídeo da internet e exibe na escola não é PVE.

 

Em 1898, três anos depois da invenção do cinema pelos irmãos Lumiere[1] o médico e professor Eugéne Louis Doyen se apropriou das ações técnicas do cinema e filmou uma cirurgia.


Figura 1:  Cena do vídeo La Séparation de Doodica-Radica (1898). 

Fonte: CINEMACIENTÍFICO, 2022. 

 

Dr. Doyen filmou uma de suas cirurgias onde separava duas irmãs siamesas, pois para o médico essa ação filmada poderia ser utilizada para suas aulas na universidade. Sendo assim, percebemos que essa ação foi uma videoaula e não uma produção de vídeo estudantil.

No Brasil em 1916 dois professores da educação básica, Fábio Lopes dos Santos Luz e José Venerando da Graça Sobrinho empolgados com a força do cinema e sua influência psicológica nos alunos filmou em 1916 quatro curtas metragens com os alunos e exibiram nos cinemas locais. Os roteiros foram escritos pelos professores e a filmagem, em película foi feito por um câmera man profissional da época.

Como não detinham conhecimento de como operar uma câmera cinematográfica, Venerando da Graça e Fábio Luz contrataram um cineasta francês, Cyprien Segun, com experiência de câmera e laboratório da França. Em conjunto, Luz e Graça fizeram a produção inicial de quatro filmes, denominados de fitas pedagógicas (FERREIRA, 2004, p. 21). 

 

Como percebemos esses curtas não podem ser chamados de uma ação PVE, pois os alunos foram apenas atores da ideia dos professores que criaram uma videoaula educativa para os alunos pensarem em algumas ações de cunho educacional.

Estes inspetores, o médico higienista Fábio Lopes dos Santos Luz e o funcionário público municipal José Venerando da Graça Sobrinho, se propuseram com recursos próprios a produzirem filmes, pelos mesmos denominados de “fitas pedagógicas” cujos fins eram: “educar, instruir, recrear e proteger a criança (FERREIRA, 2004, p. 78). 

 

Por isso que defendemos que a PVE tem uma relação do aluno, professor dentro de uma ação pedagógica de forma direta (currículo formal) ou indireta (currículo informal ou oculto). Porém onde o professor vai aprender a fazer vídeo com os alunos? Na sua graduação?

Assim percebemos que a PVE tem como base não apenas alunos fazendo vídeo, mas que esse vídeo seja proposto por um professor dentro de um contexto educacional.  Você pode me perguntar se o vídeo tem que ter um conteúdo pedagógico e para o seu espanto responderei que não, pois o processo de fazer vídeo deve ser pedagógico não o vídeo em si, pois as ações que os alunos têm durante esse fazer e as dificuldades é que são e fazem a PVE ser uma ação pedagógica.

 

Como professores e pesquisadores sabemos que a formação do professor não se faz apenas nos cursos de graduação, muitas ações aprendidas dentro do espaço educacional de formação docente, no caso os cursos de licenciatura apresentam várias ações teóricas, técnicas e filosóficas para que esse docente em sua formação generalizada possa ter ações específicas dentro do processo educacional. Defendemos que a PVE pode e deve ser usada como e dentro de um processo educacional.

Em vários cursos de licenciatura a ênfase principal é a teoria daquela área específica, por exemplo, uma licenciatura em História; uma licenciatura em Artes; uma licenciatura em Geografia e assim por diante o conteúdo da área é a ação principal para formação do licenciado. Já o curso de Pedagogia, por outro lado, que abrange toda a questão pedagógica dos anos iniciais para que esses alunos, futuros docentes, compreendam o processo educacional na formação social e cognitiva destes alunos na primeira infância. E o que eles têm em comum, na maioria das vezes, é que não apresentam a seus alunos a produção de vídeo como uma ação pedagógica.  Alguns cursos de Pós-graduação estão debatendo e pesquisando a PVE dentro de um contexto educacional, por isso acredito que falta pouco para que a PVE entre nos currículos da graduação e futuramente na escola como projeto de aula ou como disciplina.

Ensinar a fazer vídeo é também uma forma do aluno aprender a ler o mundo de uma forma diferenciada e trabalhar suas formas de expressão contemporânea. E a escola é o lugar propicio para que o aluno possa experimentar essas formas de expressão. Os festivais de vídeo estudantil têm mostrado como os alunos de diversas etapas da educação básica tem debatido dentro da sala de aula questões com diversos viés. 

Os vídeos de ficção percebemos que tem sido os que mais incentivam os professores a produzirem vídeo, por ser uma forma direta de ação e interpretação já que o documentário mesmo sem o aluno saber trabalha a questão da análise do conteúdo e da análise do discurso.  Já na ficção a criação é do aluno. A animação tem crescido dentro da PVE principalmente o Stop Motion com alunos do ensino fundamental anos iniciais.   

O que achamos surreal dentro da nossa escola bipolar é justamente debater com os alunos o prejuízo da educação bancária onde o docente tem o conhecimento e deposita no aluno como informado por Freire (1974) e ao mesmo tempo quando o aluno vai para a escola lecionar o que realiza em função da estrutura e ações da escola é justamente essa pedagógica bancária e aprendizagem memorística.

 Neste sentido a PVE pode contribuir com momentos que o docente sai da configuração bancária e passa a ação de uma metodologia ativa, já que segundo Pereira, Cândido e Lino (2020) a PVE é uma metodologia ativa onde o aluno apreende fazendo na prática. É danosa para um processo educacional contemporâneo a educação bancária, pode ter funcionado em décadas passadas, porém está fora de uma realidade do século 21 onde temos alunos totalmente ativos fora da escola onde o aprender não está mais preso à sala de aula, já que os aparelhos eletrônicos possibilitam vários tipos de conhecimento diferenciados deste redes sociais, vídeos e jogos educacionais. Talvez a pergunta que devemos fazer é :

- Por que a escola tem medo de mudar?

- Por que a escola tem medo da PVE?

Devemos ser realistas e analisar essa ação como defendeu Bourdieu e Passeron (1992)  que a escola mantem o status quo  social e nós defendemos que a PVE pode ser um momento, um espaço para que os alunos aprendam e debatam a sua realidade social; talvez por isso a mesma é ignorada como as artes em geral o fazer pensar sobre.

Neste século XXI o aluno aprende dentro de casa com o celular, alunos está socialmente difundido e percebemos essa ação desde a tenra idade. Esses alunos aprendem com três anos de idade ou menos com os vídeos infantis, se os pais tiverem, pelo menos, o bom senso de escolher o que seus filhos estão vendo nas redes sociais. Sendo assim é improvável que esse aluno ao chegar na escola com os seus três, quatro, cinco anos fique parado apenas observando o professor, sabendo que ele consegue aquele conhecimento de modo muito rápido de outras formas respeitando a sua múltipla inteligência. 

Não podemos esquecer que os alunos são cidadão culturais e consomem a cultura audiovisual e por que não fazer a mesma? E sabemos que o problema não é tecnológico, mas sim pedagógico como defende Pereira e Janhke (2012).

Professores dos anos iniciais falam da falta de paciência que os alunos têm de ficarem parados em silêncio ouvindo o professor repetir pela décima vez uma ação que o outro aluno não aprendeu. Os relatos se dão também para os anos iniciais, pois os alunos não conseguem compreender por que tem que repetir uma coisa que ele já entendeu. Claro que vivemos em sociedade e o aluno tem que compreender que essa sociedade em que ele faz parte deve incluir todas as pessoas. Sabemos que o uso da tecnologia e educação é algo antigo, iniciada no Brasil por Roquette Pinto como defende Dal Pont (2017) podemos pensar que o cinema quando surge como inovação tecnológica e aos poucos passa a ser uma inovação artística e muitos professores começam a pensar como poderia usar essa técnica numa prática audiovisual e educacional. A imagem em movimento encantava as pessoas e os professores.

- Será que esse cinema pode ser usado na escola?

Durante muito tempo esse cinema foi usado na escola no modo de ver de apresentar o mundo. O livro didático não é o único que mostra o mundo, o cinema poderia contribuir com imagens em movimento.

Como não temos uma ação direta do poder público sobre as questões da PVE como tínhamos em 1936 na criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE). A função do INCE era documentar as atividades científicas e culturais realizadas no país, para difundi-las, principalmente, na rede escolar. Professores como Jonathas Serrano, Francisco Venâncio filho, incentivava e criticavam a relação cinema e educação.

Percebemos que muitos professores sem informação técnica da área do cinema criaram nomes diferentes para a mesma ação. Assim temos cinema e educação, cinema na escola, produção de vídeo estudantil, vídeo na escola, vídeo estudantil dentre outros, mas independente do nome utilizado e percebemos que os professores preferem usar cinema a vídeo, pois o cinema por ser considerado a sétima arte daria ao docente um prestigio maior do que apenas fazer um vídeo, por isso vemos vários festivais de cinema estudantil. Não iremos aprofundar essas diferenças, mas o importante é que as ações são as mesmas.

Finalizamos que o importante é o professor ter em mente que quando falamos em produção de vídeo estudantil estamos falando de uma ação em que o aluno e o professor juntos debatem, criam um vídeo que representa o pensamento social e político destes alunos. A PVE não debate apenas questões técnicas do fazer vídeo ou como fazer, mas principalmente questões teóricas do processo de aprendizagem mediado por tecnologias., pois fazer vídeo na escola é acima de tudo uma ação educacional.

 

Bibliografia

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

DAL PONT, Vania.  Roquette Pinto e a Produção de vídeo Estudantil. Revista Roquette Pinto. Pelotas 2017

FERREIRA. Amália da Motta Mendonça. O cinema escolar na história brasileira: A sua ressignificação através da análise do discurso. 2004. 159f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal Fluminense (UFF). Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: https://url.gratis/qUde6l. Acesso em: 17 jan. 2021. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1974.

PEREIRA, Josias, DAL PONT, Vânia. Como Fazer Vídeo Estudantil na Prática da Sala de Aula. Pelotas, RS, Rubra Cognitiva, 2019.

PEREIRA, Josias; CÂNDIDO, Eliane; LINO, Viviane. Curso de Roteiro para Produção de Vídeo Estudantil: Perfil dos ProfessoresIn: CONGRESSO SOBRE TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO (CTRL+E), 5. , 2020, Evento Online. Anais [...]. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2020 . p. 128-137.

PEREIRA, Josias; JANHKE, Giovana. Produção de vídeo nas escolas: Educar com Prazer. Pelotas: ErdFilmes, 2012. 

 




[1] O anacronismo histórico apresenta que em 1888 Louis Aimé Augustin Le Prince realizou a primeira filmagem em movimento.  https://www.youtube.com/watch?v=knD2EhjGwWI

 


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