Josias Pereira
Professor adjunto da UFPel, docente
do Curso de Cinema e Audiovisual e da
Pós-graduação de Artes e de Educação Matemática.
Vania Dal Pont
Professora de Matemática e doutoranda em Educação da UFPel.
O Que é a Produção de Vídeo Estudantil?
A produção de vídeo
estudantil tem como base fundamental e irrevogável a produção de uma obra
audiovisual (vídeo) de qualquer gênero (ficção, documentário, animação,
videoclipe ou videoaula) realizado dentro do espaço escolar com a anuência do
professor sendo realizado pelos alunos em sua totalidade ou em parte. Quando
informamos dentro do espaço escolar não significa o espaço físico da escola,
mas que essa produção seja debatida, organizada e realizada por alunos da
educação básica com a orientação de um professor.
A principal
característica da produção de vídeo estudantil (PVE) é que o aluno deve estar
ativo dentro do seu processo educacional de forma direta ou indireta, o docente
deve ter uma intencionalidade pedagógica para trabalhar o seu currículo
normativo ou o currículo oculto. Se a produção de vídeo for realizada sem uma
ação pedagógica, o mesmo educacionalmente fica inoculo dentro do processo
educacional do aluno. Sendo assim a PVE tem como base não apenas a produção de
um produto (Educação Maker), mas esse produto (Vídeo) estar ligado a um
processo de ensino.
Talvez analisar o que não é a produção de
vídeo estudantil (PVE) seja mais fácil.
-
Quando um professor faz um vídeo para os alunos é chamado videoaula, isso não
é uma PVE. |
-
Quando um aluno faz sozinho um vídeo em casa sem o professor ter pedido não é
PVE. |
-
Quando um professor pega um vídeo da internet e exibe na escola não é PVE. |
Em 1898, três anos depois
da invenção do cinema pelos irmãos Lumiere[1] o médico e professor
Eugéne Louis Doyen se apropriou das ações técnicas do cinema e filmou uma
cirurgia.
Figura
1: Cena do vídeo La Séparation de Doodica-Radica
(1898).
Fonte: CINEMACIENTÍFICO, 2022.
Dr. Doyen filmou uma de suas
cirurgias onde separava duas irmãs siamesas, pois para o médico essa ação
filmada poderia ser utilizada para suas aulas na universidade. Sendo assim, percebemos
que essa ação foi uma videoaula e não uma produção de vídeo estudantil.
No Brasil em 1916 dois professores da educação básica,
Fábio Lopes dos Santos Luz e José Venerando da Graça Sobrinho empolgados com a
força do cinema e sua influência psicológica nos alunos filmou em 1916 quatro
curtas metragens com os alunos e exibiram nos cinemas locais. Os roteiros foram
escritos pelos professores e a filmagem, em película foi feito por um câmera
man profissional da época.
Como não detinham conhecimento de como operar uma
câmera cinematográfica, Venerando da Graça e Fábio Luz contrataram um cineasta
francês, Cyprien Segun, com
experiência de câmera e laboratório da França. Em conjunto, Luz e Graça fizeram
a produção inicial de quatro filmes, denominados de fitas pedagógicas
(FERREIRA, 2004, p. 21).
Como
percebemos esses curtas não podem ser chamados de uma ação PVE, pois os alunos
foram apenas atores da ideia dos professores que criaram uma videoaula
educativa para os alunos pensarem em algumas ações de cunho educacional.
Estes inspetores, o médico higienista Fábio Lopes
dos Santos Luz e o funcionário público municipal José Venerando da Graça
Sobrinho, se propuseram com recursos próprios a produzirem filmes, pelos mesmos
denominados de “fitas pedagógicas” cujos fins eram: “educar, instruir, recrear
e proteger a criança (FERREIRA, 2004, p. 78).
Por isso que defendemos
que a PVE tem uma relação do aluno, professor dentro de uma ação pedagógica de
forma direta (currículo formal) ou indireta (currículo informal ou oculto).
Porém onde o professor vai aprender a fazer vídeo com os alunos? Na sua
graduação?
Assim percebemos que a
PVE tem como base não apenas alunos fazendo vídeo, mas que esse vídeo seja
proposto por um professor dentro de um contexto educacional. Você pode me perguntar se o vídeo tem que ter
um conteúdo pedagógico e para o seu espanto responderei que não, pois o
processo de fazer vídeo deve ser pedagógico não o vídeo em si, pois as ações
que os alunos têm durante esse fazer e as dificuldades é que são e fazem a PVE
ser uma ação pedagógica.
Como professores e
pesquisadores sabemos que a formação do professor não se faz apenas nos cursos
de graduação, muitas ações aprendidas dentro do espaço educacional de formação
docente, no caso os cursos de licenciatura apresentam várias ações teóricas,
técnicas e filosóficas para que esse docente em sua formação generalizada possa
ter ações específicas dentro do processo educacional. Defendemos que a PVE pode
e deve ser usada como e dentro de um processo educacional.
Em vários cursos de
licenciatura a ênfase principal é a teoria daquela área específica, por
exemplo, uma licenciatura em História; uma licenciatura em Artes; uma
licenciatura em Geografia e assim por diante o conteúdo da área é a ação
principal para formação do licenciado. Já o curso de Pedagogia, por outro lado,
que abrange toda a questão pedagógica dos anos iniciais para que esses alunos,
futuros docentes, compreendam o processo educacional na formação social e
cognitiva destes alunos na primeira infância. E o que eles têm em comum, na
maioria das vezes, é que não apresentam a seus alunos a produção de vídeo como
uma ação pedagógica. Alguns cursos de
Pós-graduação estão debatendo e pesquisando a PVE dentro de um contexto
educacional, por isso acredito que falta pouco para que a PVE entre nos
currículos da graduação e futuramente na escola como projeto de aula ou como
disciplina.
Ensinar a fazer vídeo é
também uma forma do aluno aprender a ler o mundo de uma forma diferenciada e
trabalhar suas formas de expressão contemporânea. E a escola é o lugar propicio
para que o aluno possa experimentar essas formas de expressão. Os festivais de
vídeo estudantil têm mostrado como os alunos de diversas etapas da educação
básica tem debatido dentro da sala de aula questões com diversos viés.
Os vídeos de ficção
percebemos que tem sido os que mais incentivam os professores a produzirem
vídeo, por ser uma forma direta de ação e interpretação já que o documentário
mesmo sem o aluno saber trabalha a questão da análise do conteúdo e da análise
do discurso. Já na ficção a criação é do
aluno. A animação tem crescido dentro da PVE principalmente o Stop Motion com
alunos do ensino fundamental anos iniciais.
O que achamos surreal
dentro da nossa escola bipolar é justamente debater com os alunos o prejuízo da
educação bancária onde o docente tem o conhecimento e deposita no aluno como
informado por Freire (1974) e ao mesmo tempo quando o aluno vai para a escola
lecionar o que realiza em função da estrutura e ações da escola é justamente
essa pedagógica bancária e aprendizagem memorística.
Neste sentido a PVE pode contribuir com
momentos que o docente sai da configuração bancária e passa a ação de uma
metodologia ativa, já que segundo Pereira, Cândido e Lino (2020) a PVE é uma
metodologia ativa onde o aluno apreende fazendo na prática. É danosa para um
processo educacional contemporâneo a educação bancária, pode ter funcionado em
décadas passadas, porém está fora de uma realidade do século 21 onde temos
alunos totalmente ativos fora da escola onde o aprender não está mais preso à
sala de aula, já que os aparelhos eletrônicos possibilitam vários tipos de
conhecimento diferenciados deste redes sociais, vídeos e jogos educacionais. Talvez
a pergunta que devemos fazer é :
- Por que a escola tem
medo de mudar?
- Por que a escola tem
medo da PVE?
Devemos ser realistas e
analisar essa ação como defendeu Bourdieu e Passeron (1992) que a escola mantem o status quo social e nós defendemos que a PVE pode ser um
momento, um espaço para que os alunos aprendam e debatam a sua realidade
social; talvez por isso a mesma é ignorada como as artes em geral o fazer
pensar sobre.
Neste século XXI o aluno
aprende dentro de casa com o celular, alunos está socialmente difundido e
percebemos essa ação desde a tenra idade. Esses alunos aprendem com três anos
de idade ou menos com os vídeos infantis, se os pais tiverem, pelo menos, o bom
senso de escolher o que seus filhos estão vendo nas redes sociais. Sendo assim
é improvável que esse aluno ao chegar na escola com os seus três, quatro, cinco
anos fique parado apenas observando o professor, sabendo que ele consegue
aquele conhecimento de modo muito rápido de outras formas respeitando a sua
múltipla inteligência.
Não podemos esquecer que
os alunos são cidadão culturais e consomem a cultura audiovisual e por que não
fazer a mesma? E sabemos que o problema não é tecnológico, mas sim pedagógico
como defende Pereira e Janhke (2012).
Professores dos anos
iniciais falam da falta de paciência que os alunos têm de ficarem parados em
silêncio ouvindo o professor repetir pela décima vez uma ação que o outro aluno
não aprendeu. Os relatos se dão também para os anos iniciais, pois os alunos
não conseguem compreender por que tem que repetir uma coisa que ele já entendeu.
Claro que vivemos em sociedade e o aluno tem que compreender que essa sociedade
em que ele faz parte deve incluir todas as pessoas. Sabemos que o uso da
tecnologia e educação é algo antigo, iniciada no Brasil por Roquette Pinto como
defende Dal Pont (2017) podemos pensar que o cinema quando surge como inovação
tecnológica e aos poucos passa a ser uma inovação artística e muitos
professores começam a pensar como poderia usar essa técnica numa prática
audiovisual e educacional. A imagem em movimento encantava as pessoas e os
professores.
- Será que esse cinema
pode ser usado na escola?
Durante muito tempo esse
cinema foi usado na escola no modo de ver de apresentar o mundo. O livro
didático não é o único que mostra o mundo, o cinema poderia contribuir com
imagens em movimento.
Como não temos uma ação
direta do poder público sobre as questões da PVE como tínhamos em 1936 na
criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE). A função do INCE era
documentar as atividades científicas e culturais realizadas no país, para
difundi-las, principalmente, na rede escolar. Professores como Jonathas
Serrano, Francisco Venâncio filho, incentivava e criticavam a relação cinema e
educação.
Percebemos que muitos
professores sem informação técnica da área do cinema criaram nomes diferentes
para a mesma ação. Assim temos cinema e educação, cinema na escola, produção de
vídeo estudantil, vídeo na escola, vídeo estudantil dentre outros, mas
independente do nome utilizado e percebemos que os professores preferem usar
cinema a vídeo, pois o cinema por ser considerado a sétima arte daria ao
docente um prestigio maior do que apenas fazer um vídeo, por isso vemos vários
festivais de cinema estudantil. Não iremos aprofundar essas diferenças, mas o
importante é que as ações são as mesmas.
Finalizamos que o
importante é o professor ter em mente que quando falamos em produção de vídeo
estudantil estamos falando de uma ação em que o aluno e o professor juntos
debatem, criam um vídeo que representa o pensamento social e político destes
alunos. A PVE não debate apenas questões técnicas do fazer vídeo ou como fazer,
mas principalmente questões teóricas do processo de aprendizagem mediado por
tecnologias., pois fazer vídeo na escola é acima de tudo uma ação educacional.
Bibliografia
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.
DAL PONT, Vania. Roquette Pinto e a Produção de vídeo Estudantil. Revista Roquette Pinto. Pelotas 2017
FERREIRA. Amália da Motta Mendonça. O cinema escolar na história brasileira: A sua ressignificação através da análise do discurso. 2004. 159f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal Fluminense (UFF). Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: https://url.gratis/qUde6l. Acesso em: 17 jan. 2021.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1974.
PEREIRA, Josias, DAL PONT, Vânia. Como Fazer Vídeo Estudantil na Prática da Sala de Aula. Pelotas, RS, Rubra Cognitiva, 2019.
PEREIRA, Josias; CÂNDIDO, Eliane; LINO, Viviane. Curso de Roteiro para Produção de Vídeo Estudantil: Perfil dos Professores. In: CONGRESSO SOBRE TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO (CTRL+E), 5. , 2020, Evento Online. Anais [...]. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2020 . p. 128-137.
PEREIRA, Josias; JANHKE, Giovana. Produção de vídeo nas escolas: Educar com Prazer. Pelotas: ErdFilmes, 2012.
[1] O
anacronismo histórico apresenta que em 1888 Louis Aimé Augustin Le Prince
realizou a primeira filmagem em movimento. https://www.youtube.com/watch?v=knD2EhjGwWI
Nenhum comentário:
Postar um comentário