última atualização 09-01-2023

Dicionário da Educação Audiovisual - Cineconversas






Rosa Helena Mendonça
Pesquisadora do GrPesq Currículos cotidianos,
redes educativas, imagens e sons (ProPEd/UERJ),
no qual realizou pesquisa de doutorado
 e estágio pós-doutoral  sob a orientação de Nilda Alves. 



CINECONVERSAS COMO CIRCULAÇÃO DE IDEIAS NAS PESQUISAS COM OS COTIDIANOS: AS IMAGENS E OS SONS DOS FILMES COMO PERSONAGENS CONCEITUAIS


Este texto-verbete, ao tratar da ideia de cineconversas, apresenta alguns pressupostos fundamentais ao GrPesq Currículos cotidianos, redes educativas, imagens e sons, coordenado por Nilda Alves (ProPEd-UERJ), que tem as conversas como metodologia e epistemologia das investigações nos ‘espaçostempos’ das pesquisas com os cotidianos e, especialmente, na criação de currículos. E, nesse sentido, usa o cinema como um artefato cultural de destaque no processo.

            Fazemos uso (CERTEAU, 1994) das conversas como eixo epistemológico da metodologia de apropriação e de criação de registros textuais e audiovisuais em que são tecidas “práticasteorias” em educação, a partir de uma análise que parte das redes educativas que todos formamos e nas quais nos formamos (ALVES, 2019).

E o que são as cineconversas senão a oportunidade de compor redes educativas que formamos e nas quais nos formamos, com o uso de filmes para pensar os currículos?

            Uma indagação é primordial em nossas indagações: como questões sociais se transformam em questões curriculares? E é nas conversas que se dão entre os pesquisadores e os ‘outros’ – entendidos como personagens conceituais (DELEUZE, 1992), ou seja, como entes diversos (intercessores), que podem ser livros teóricos e de literatura, filmes documentários e de ficção, diferentes imagens e sons, como vídeos, podcasts, conversas com docentes em formação ou em serviço, estudantes, entre outras possibilidades – em que buscamos compreender os processos em curso nos cotidianos, sempre como criação. E o cinema, com sua capacidade de criar realidades e não apenas de reproduzi-las tem colaborado para a tessitura de diferentes redes. O que antes chamávamos de cineclubes, importante espaço a formação de público e de debates artístico-políticos, em especial em ‘espaçostempos’ de cerceamento de acesso aos filmes, quer por censura política ou mesmo por dificuldade de acesso de parte da população aos cinemas, quer pela localização das salas de projeção em determinados bairros em detrimento de outros, ou ainda pelo valor dos ingressos etc..

    Sendo assim, como a propostas de nossos encontros é a de conversar com o ‘vistoouvidopensadosentido’ nos filmes, sempre considerando o que cada um provocava no espectador (sem reduzir a percepção dos filmes a essa condição) e, ainda, considerando nossa proximidade com a conversa como metodologia de pesquisa, optamos por denominar nossa prática de cineconversas e não mais de cineclubes.[1]

            Essa compreensão vem se dando a partir de diferentes movimentos que identificamos, entre outros, como o de ir além do já sabido, que significa a aceitação da transitoriedade dos conhecimentos científicos, fato que nos impulsiona a buscar novas possibilidades de ‘fazerpensar’ os cotidianos. Nesse sentido, outro movimento fundamental é a criação de personagens conceituais que nos permitam conversas que nos levem a outros movimentos como, por exemplo, o da circulação de ‘conhecimentossignificações’ (CALDAS, 2019) que criamos com os outros e não sobre os outros ou para os outros. Foi com esse movimento que compreendemos que a ideia de divulgação científica não dava conta do que entendemos como criação. Esta é, enfim, algo que ultrapassa a transmissão, sendo, portanto, uma criação coletiva e em permanente movimento. E nessa perspectiva, a concepção de cineclube tampouco contemplava nossa perspectiva do uso do cinema na educação.

Usamos, primordialmente, o cinema como um personagem conceitual, no desenvolvimento de cineconversas em que buscamos uma troca de ideias, após ‘vermosouvirmossentirmospensarmos’ os filmes, o que é diferente do que assistir a eles e debatê-los em sua historicidade, linguagem, técnicas de gravação e montagem. As sessões consistem em, após a exibição de filmes – selecionados em função de questões de urgência social que apresentam – conversarmos sobre/com eles e entre nós, os participantes, a partir das redes educativas que constituímos e que nos constituem. O que nos interessa são as recorrências e as também as singularidades. Por que um mesmo filme provoca diferentes memórias e compreensões? Para essa questão temos tido respostas surpreendentes que mobilizam a troca de sensações e de sentimentos nos grupos.

Os filmes são considerados por nós como personagens conceituais (DELEUZE, 1992), ou seja, como os ‘outros’ que suscitam questões e ideias, como já ressaltamos anteriormente.  Destacamos que não há espectador passivo e, sendo assim, os filmes nos aproximam de questões das nossas próprias vidas, por articulação de experiências diversas, por negação, por empatia com as personagens e as tramas, enfatizando que um filme não reproduz a realidade, mas cria realidades virtuais. As conversas são o que permitem a circulação de ideias de diferentes modos e em diversos suportes tendo como objetivo compreender como se dá a criação de currículos que articulem temáticas sociais significativas, como questões ambientais, epidemias/pandemias, migrações, relações étnico-raciais, questões de gênero e muito mais que a realidade oferece e o cinema capta e cria.  

São esses movimentos anunciados que dão relevância ao ‘uso’ metodológico de conversas nas pesquisas com os cotidianos e, por extensão, das cineconversas.

Segundo o documentarista Eduardo Coutinho, depoimentos, entrevistas e conversas são práticas diversas. O depoimento, para ele, está ligado à História; já a entrevista, ao Jornalismo ou às Ciências Sociais, podendo ser mais ou menos dirigida. A conversa, inspirada nos pressupostos da História Oral, nas memórias dos cotidianos das pessoas, reflete momentos de encontros. E é nessa perspectiva que nas pesquisas com os cotidianos nos aproximamos das conversas como possibilidade de co-criação. E é isso que se dá nas sessões de cineconversas que desenvolvemos.

Trazemos aqui uma citação, à guisa de conclusão.

Um filme não reproduz a realidade (1985, 2007), ele cria realidades possíveis, inventa soluções originais para situações inusitadas ou faz surgir soluções inusitadas para situações que poderiam ser consideradas clichês. Uma narrativa consegue nos remeter a muitas outras e, pode nos ajudar, no caso dos inúmeros e tão diferentes filmes que ‘vemosouvimossentimospensamos’ (...). Para isso são necessárias as outras tantas narrativas e imagens que surgem em nossas cineconversas. (ALVES, CHAGAS. MENDONÇA, 2019, p.209)

  

Referências

ALVES, Nilda; ANDRADE, Nívea; CALDAS, Alessandra. Os movimentos necessários às pesquisas com os cotidianos – após muitas ‘conversas’ acerca deles (p.19-45). In OLIVEIRA, Inês Barbosa de; PEIXOTO, Leonardo Ferreira; SÜSSEKIND, Maria Luiza (orgs). Estudos do cotidiano, currículo e formação docente: questões metodológicas, políticas e epistemológicas.  Curitiba: CVR, 2019.

ALVES, Nilda; CHAGAS, Claudia, MENDONÇA, Rosa Helena. Usar filmes para fazer surgir modos de atuar  nos currículos – migrações e cotidianos escolares (p.198-211). In OLIVEIRA, Inês Barbosa de; PEIXOTO, Leonardo Ferreira; SÜSSEKIND, Maria Luiza (orgs). Estudos do cotidiano, currículo e formação docente: questões metodológicas, políticas e epistemológicas.  Curitiba: CVR, 2019.

ALVES, Nilda. Práticas pedagógicas em imagens e narrativas – memórias de processos didáticos e curriculares para pensar as escolas hoje. S. Paulo: Cortez, 2019: 115 – 133.

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Tradução Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

COUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. In: Projeto História. São Paulo, n.15, p.165-171, abr. 1997.

DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.

DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. São Paulo: Braziliense, 1985 (Cinema 1).

DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Braziliense, 2007 (Cinema 2).

   



[1] Num dos encontros do grupo, a ideia de chamar nossas sessões de cinema de cineconversas foi proposta por mim (autora desse verbete) e rapidamente encampada pela coordenadora do grupo e pelos demais participantes.

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